Acabado de chegar da escola e, na placidez do lar, ligo as notícias só para ter aquele ruído de fundo: Thérèse Coffey, recentemente nomeada ministra da Saúde, apresenta o seu plano para os próximos anos onde se incluem 15 milhões de libras para o recrutamento de auxiliares de acção médica fora do Reino Unido…
Volto atrás, será que ouvi bem ou ouvi mal? Decerto ouvi mal, deve ser uma piada, humor negro no seu melhor, mas não, volto atrás e lá está, “15 milhões de libras”, “auxiliares”, “recrutamento” e “fora do Reino Unido”.
Pasmo, estarrecido, por breves instantes esperançoso e quiçá vitorioso, processo o significado de tal declaração. Mais, constato de imediato não haver oposição à ideia, nenhum alarido e muito menos burburinho da parte da bancada conservadora.
Porquê então a saída do Reino Unido da União Europeia? Porquê o “Brexit” senão um voto de protesto no sentido da melhoria das condições de vida de milhões de britânicos?
O resultado, exponenciado pela pandemia, está à vista com a saída desde 2019 de mais de 2,5 milhões de imigrantes no total do país, tendo Londres um decréscimo de 700 mil habitantes, ou seja, o maior êxodo desde a Segunda Grande Guerra.
Feitas as contas, entre entradas e saídas do país, temos hoje mais de 1 milhão de empregos por preencher, 100 mil dos quais para auxiliares de acção médica entre apoio domiciliário e lares.
Com tantas vagas por preencher e uma lista crescente de mais de 500 mil britânicos à espera de cuidados primários, o Governo dá o dito por não dito e a mão à palmatória ao providenciar fundos com o único propósito de recrutar trabalhadores fora de terras de Sua Majestade, agora o Rei Carlos III: voltem, imigrantes, estão perdoados. E bem perdoados quando só em Londres a percentagem de não britânicos ascende a 35% da população, sendo a média nacional uns não menosprezáveis 14%.
Infelizmente, a disponibilidade de trabalho não é em si um reflexo da melhoria das condições de trabalho. Conclusão: quando os auxiliares de acção médica são pagos a pouco mais de 10 libras por hora, menos se comparados com os empregados de limpeza e pouco mais do que o ordenado mínimo, muito dificilmente os britânicos farão fila para tal trabalho.
E o que dizer da falta de camionistas (mais de 70 mil vagas), enfermeiros (mais de 100 mil vagas) e assistentes sociais (mais de 100 mil vagas) sem esquecer os professores, os investigadores científicos, engenheiros civis, engenheiros mecânicos, farmacêuticos, técnicos de informática, médicos, veterinários, empregos sazonais como no caso das colheitas ou matadouros entre tantas outras áreas onde, e pelo menos nos próximos dez anos, a lei da oferta e da procura penderá forçosamente para o lado dos trabalhadores?
E se a mensagem é agora um pouco mais positiva para quem imigrou para este país, afinal somos precisos, afinal valorizados, não mais o bode expiatório ou o bombo da festa, a vinda continua, infelizmente, sujeita a vistos temporários e se existimos é com o único propósito de servir os súbditos de Sua Majestade, sendo o regresso ao ponto de partida certo quando os ditos súbditos não mais requererem os serviços prestados.
Desengane-se, no entanto, quem pensa ser a formação da prata da casa a solução com propinas de 9000 libras anuais apenas ao alcance das classes médias e altas do costume.
Num círculo vicioso e sem saída à vista entre britânicos por formar e imigrantes que tardam em chegar, a este ritmo teremos em breve muito mais do que apenas 1 milhão de empregos por preencher com a consequente degradação dos serviços públicos, a privatização exponencial e toda uma ilha a saque onde a desigualdade social já é das maiores do continente Europeu.
Nestes termos, o convite à mão-de-obra estrangeira é apenas isso, um convite, uma intenção, um gesto de boa vontade. Mas os imigrantes já não voltam. E o Reino Unido está muito longe de ser perdoado.
Londres era a Babel e o Reino Unido o destino de preferência num mundo onde o inglês é a língua franca. Mas feridos no nosso orgulho, voltamos as costas à terra onde um dia tudo nos reconheceram, onde um dia nos valorizaram, acreditaram em nós, estenderam a mão, deram-nos o braço.
Devolvemos o braço, devolvemos o corpo, devolvemos a ilha agora à deriva e à procura de outras paragens que não estas, não as nossas, desejando a melhor sorte e um até breve, mas só de passagem.