Turismo desequilibrado num interior à espera de desenvolvimento
Se no litoral os turistas se atropelavam para ver um farol, no interior não havia ninguém para os receber. Havia as nossas paisagens lindas e o património histórico, que por si só não chegam quando nos falta o factor humano.
Neste Setembro, um aluno meu esteve de férias em Portugal. Quando vi a sua mensagem de vídeo, pensei a priori que se trataria de um dia alegre, quiçá a gozar do nosso sol. Mas a minha ideia logo se dissipou ao ver o seu descontentamento por se encontrar encravado no meio de uma multidão de turistas. Sem perceber muito bem ainda a piada, o meu aluno terminou o seu discurso, entre palavras inglesas e holandesas, com um seu riso sarcástico dizendo então em bom português “que pena!”
Aprendera bem a sua lição comigo, nomeadamente o que significava aquela expressão, e tinha-a usado sabiamente dentro do Palácio da Pena, em Sintra.
Aborrecido por estar dentro de uma espécie de Disneylândia, acabou por desistir de continuar por aquelas paragens e foi até ao farol que ouvira falar ser o ponto mais ocidental da Europa continental. Mas, eis que chegado ao Cabo da Roca, teve aí outra pena.
Mais um ponto turístico que o havia desiludido. O local estava rodeado de autocarros que, ora chegavam, ora arrancavam cheios de pessoas, impossibilitando sequer de parar e vislumbrar o que quer que fosse. “Vocês estão a viver um turismo insustentável”, disse-me alertado. Relatou-me, então, como havia desistido de Lisboa e se meteu a caminho do interior português, essa terra abandonada pelo litoral.
Continuou o seu relato, dizendo que após ter chegado a uma terra algures entre Coimbra e Viseu, não conseguiu encontrar nem sequer um restaurante.
Se no litoral os turistas se atropelavam para ver um farol, no interior não havia ninguém para os receber. Havia as nossas paisagens lindas e o património histórico, que por si só não chegam quando nos falta o factor humano. Expliquei-lhe como haviam fugido os cérebros da minha terra, e que as pessoas que ficaram não falam inglês, num país que se gaba pelos seus dotes linguísticos, desconhecendo a realidade do seu interior.
“Por outro lado, os turistas não têm como chegar cá”, contei-lhe.
A mobilidade tem sido sempre desprezada continuamente por estes lados. Ora, sem mobilidade não há turistas que nos visitem, nem uma economia minimamente mexida. Os jovens partem à procura de emprego no Litoral, mas chegados lá são apenas mais um número, desvalorizados mesmo quando falam três ou mais línguas.
O interior teria tudo a ganhar se conseguisse captar esses jovens para as nossas terras, e chamar também algo perdido há muito, o comboio.
A nossa tacanhez impede-nos de ver isso, num país com uma tóxica cultura do carro. Onde as diferenças de classes se notam no dia-a-dia, ora no aumento de carros de topo de gama, ora carros a cair aos pedaços. Tudo isso é indicativo de como um país atrasado culturalmente valoriza o carro e menospreza o transporte público!
Valorizamos erradamente auto-estradas e destruímos as ferrovias, construímos ecopistas até às quais levamos o carro à porta — algo trágico em plena crise climática.
Comboios? Parece uma coisa do passado, quando deveria ser do futuro!
Entretanto o litoral sobrelota-se de turistas que a cada dia ficam mais insatisfeitos, e que provavelmente irão resmungar sobre nós. Resmungarão quer pelos fracos serviços, filas de espera, quer pelas multidões que se emaranham e tropeçam em si mesmas.
E, enquanto isso, o interior está à espera. Eternamente à espera, assim nos habituamos. À espera de vida, de turistas, de transportes, e dos cérebros inteligentes que provavelmente nunca mais retornarão à sua terra natal.