Os erros da conservação: os Batwa, Dian Fossey e o mito do Tarzan ocidental
Enquanto os países não africanos continuam a saquear a África dos seus recursos, e os agricultores africanos continuam a expandir as suas fazendas pelo continente, grupos como os Batwa foram os que mais sofreram dentro dessa narrativa, sendo expulsos das florestas e em grande parte condenados a serem mendigos.
Como parte da pesquisa antropológica que faço na Howard University, e dentro da missão desta instituição de referência, nos últimos meses estive no Gabão, Uganda e Ruanda. Com uma equipa internacional de investigadores, médicos e cineastas, trabalhamos em várias aldeias habitadas principalmente pelos chamados ‘grupos de pigmeus africanos’, como os Baka, no Gabão, e os Batwa, no Uganda e Ruanda. Esses grupos — nativos da África Central, principalmente da Bacia do Congo — subsistiram por milénios com um estilo de vida de caçadores-recolectores. Muitos deles foram posteriormente aculturados por grupos agricultores africanos, como os de grupos de língua bantu. Mas parte deles, incluindo subgrupos dos Baka e Batwa, continuaram a viver nas florestas e a caçar grandes animais como elefantes, gorilas ou chimpanzés, até serem legalmente proibidos de fazê-lo devido à criação de parques nacionais para proteger esses animais, há algumas décadas.
O nosso trabalho incluiu tópicos tão diversos como antropologia cultural e biológica, divulgação científica, medicina evolutiva e uso de plantas medicinais tradicionais, divulgação científica e conservação ecológica. Surpreendentemente, depois de visitar várias aldeias dos Baka no Gabão — incluindo uma em que ainda vivem na floresta, Bitouga — e Batwa no centro, sul e norte do Ruanda, ouvimos repetidamente a mesma reclamação: em quase todos os casos, eles não receberam nenhuma compensação económica do governo quando foram deslocados dos seus habitats ancestrais ou proibidos de caçar animais que eram uma grande parte da sua dieta. Como dizem muitos idosos desses grupos, eles foram condenados principalmente a “viver como mendigos”, muitas vezes enfrentando discriminação, abusos e até ataques violentos das populações de língua bantu das regiões para as quais foram obrigados a habitar.
Na maioria das muitas aldeias que visitamos, os Baka e os Batwa estavam, de facto, principalmente a vagabundear, esperando por nós ou por organizações não-governamentais (ONG) ocidentais, para lhes “darem algo”. Muitos deles literalmente imploraram por isso, dizendo que estavam morrendo de fome, e numa das aldeias Baka perto de Minvoul onde o chefe era um ancião de língua bantu, eles falaram-nos explicitamente de abuso físico. De facto, em tais casos, a relação entre os chefes de língua bantu e os Baka muitas vezes torna-se uma escravidão moderna. Um fenómeno perturbador que documentamos em quase todas as aldeias, tanto no Gabão quanto no Ruanda, foi o alcoolismo: não apenas de adultos, mas, tragicamente, também de crianças e até bebés. Infelizmente, em muitos casos, as bebidas alcoólicas foram fornecidas directamente por ONG – não apenas ocidentais, mas também locais – que supostamente tentam “ajudar” tais grupos, mas acabam por contribuir para o ciclo dos “mendigos”, dando-lhes dinheiro, bebidas e outros ‘presentes’. Felizmente, há excepções, como Pygmy Alliance, que está a construir escolas e cozinhas em algumas aldeias Batwa no Ruanda.
O que é ainda mais trágico e esclarecedor no caso do Ruanda é que esse caso está directamente relacionado com as políticas de conservação que foram originalmente promovidas principalmente por ocidentais e a uma narrativa ocidental racista de longa data: a do Tarzan branco. Ou seja, o ‘bom’ ocidental ‘rei da selva que é amigo dos animais africanos e luta contra os ‘maus’ africanos. Só que neste caso o Tarzan é uma mulher, Dian Fossey. Essa narrativa ganhou destaque nos países ocidentais após o lançamento do filme Gorillas in the Mist em 1988, no qual Sigourney Weaver fez o papel de Dian, e ainda é a história predominante exibida na sede do Dian Fossey Fund em Musanze, Ruanda. Eu próprio fui profundamente influenciado por essa narrativa, há décadas, a qual foi precisamente uma das principais razões pelas quais eu quis ir ao Ruanda e ver e interagir com os investigadores do Dian Fossey Fund. Segunda essa narrativa, Dian chegou à região, começou a estudar e a ser amiga dos, e amada pelos, gorilas, e a protegê-los dos ‘maus’, os ‘caçadores furtivos’ que depois a mataram.
Dian realmente fez coisas incríveis pela ciência e pelos gorilas e suas florestas ao chamar a atenção para a sua conservação, sem dúvida. No entanto, como os anciões Batwa de várias aldeias diferentes repetiram várias vezes, o que esse mito de Tarzan negligencia é o facto de Dian ser racista e ter amalgamado grupos muito diferentes de africanos no grupo dos ‘maus africanos’. Por exemplo, incluiu neste grupo os Batwa, que caçaram gorilas durante milénios sem colocar em risco a sua sobrevivência como grupo e os seus habitats ecológicos, e os caçadores furtivos, muitas vezes habitantes locais de língua bantu empobrecidos que podem ganhar dinheiro com o tráfico de gorilas e elefantes, ou parte dos seus corpos.
Ou seja, enquanto os gorilas não foram ameaçados quando os Batwa viviam nas suas florestas há milénios e só começaram a sê-lo devido à expansão das fazendas de agricultores africanos e à pressão de países não africanos para obter os recursos dessas florestas, a narrativa criada por tais grupos de agricultores e pessoas de países não africanos é que os Batwa são os culpados do declínio dos gorilas. Assim, enquanto os países não africanos continuam a saquear a África dos seus recursos, e os agricultores africanos continuam a expandir as suas fazendas pelo continente, grupos como os Batwa foram os que mais sofreram dentro dessa narrativa, sendo expulsos das florestas e em grande parte condenados a serem mendigos. Em vez de continuar a promover esse mito erróneo do Tarzan branco e a narrativa que os Batwa são os ‘maus africanos’ e ‘inimigos dos animais’, o que devemos fazer é aprender com eles como é que foram capazes de coexistir com os gorilas por milénios nas florestas de onde eles foram expulsos.