Angola, eleições e democracia
Não basta que alguém alegue fraude para termos fraude. O que precisamos é de poder distinguir entre alegações de fraude com fundamento e alegações de fraude sem fundamento. É verdade que a alternância faz bem à democracia, mas a alternância tem de ser conquistada pelo voto.
Angola, eleições e democracia
1. Tendo participado na Missão de Observação Eleitoral (MOE) da CPLP às Eleições Gerais de Angola 2022, enquanto membro da Assembleia Parlamentar da Comunidade, não é sobre as propostas políticas em presença que me pronuncio, mas sobre a qualidade do processo eleitoral, elemento central (embora não único) de qualquer democracia.
2. Creio haver três questões essenciais acerca de um processo eleitoral nestas condições:
(a) todos os cidadãos com direito legal a votar puderam fazê-lo de forma livre e sem coação?
(b) todas as candidaturas dispuseram de condições de igualdade para apresentar as suas propostas ao eleitorado?
(c) os resultados oficiais correspondem fielmente aos votos entrados nas urnas?
3. Quanto à primeira questão, foi unanimemente reconhecido que a votação decorreu sem quaisquer sinais de coação sobre o eleitor, a confidencialidade do voto garantida, ausência de interferência ilegítima das autoridades nos locais de voto. Não conheço registos de pessoas indevidamente impedidas de votar por ausência nos cadernos eleitorais, embora casos desses possam ocorrer.
4. Quanto à segunda questão, a das condições de igualdade das candidaturas, a própria declaração da MOE da CPLP identifica deficiências relevantes que têm de ser corrigidas, aí se apelando às autoridades angolanas para se empenharem na sua correção. Desde logo, o acesso das propostas políticas aos meios de comunicação é fortemente desigual. O mero visionamento e leitura dos meios públicos audiovisuais e escritos permite constatar o recurso sistemático a habilidades que reforçam e insistem na mensagem de uma candidatura e desvalorizam outras, a um nível que é absolutamente criticável. Desvalorizar esta questão não é um bom sinal.
Por outro lado, incumprir prazos legais de divulgação de documentos importantes para as candidaturas (como os cadernos eleitorais), bem como a informação escassa e incerta sobre procedimentos fulcrais à fiabilidade do processo (como a atualização do registo eleitoral oficioso, que define quem vota e quem não vota), prejudica a transparência e confiança na operação e desfavorece os mais afastados da máquina administrativa. Contudo, seria preferível evitar sobrevalorizar matérias como a presença de mortos nos cadernos, que sabemos serem administrativamente difíceis de evitar, porque, com cadernos eleitorais com fotos a cores de todos os inscritos, de que dispõem todas as mesas de voto, é difícil que passe despercebido um morto que se apresente a votar.
5. Quanto à terceira questão: podemos saber se os resultados oficiais correspondem fielmente aos votos entrados nas urnas? Creio que o processo eleitoral angolano tem os instrumentos apropriados para garantir a fiabilidade do resultado eleitoral: há delegados dos partidos em todas as Assembleias de Voto, que controlam à vista toda a operação de votação e contagem; no final, recebem as atas com os resultados; os partidos podem compilar essa informação e, como a UNITA disse estar preparada para fazer (e bem), ter o seu próprio apuramento e detetar qualquer discrepância. O que se espera é que tais alegações sejam documentadas, quaisquer evidências sejam apreciadas com rigor nas instâncias eleitorais e que as comparações relevantes sejam feitas de forma transparente – se necessário, com conhecimento dos eleitores em geral. Não basta que alguém alegue fraude para termos fraude. O que precisamos é de poder distinguir entre alegações de fraude com fundamento e alegações de fraude sem fundamento. É verdade que a alternância faz bem à democracia, mas a alternância tem de ser conquistada pelo voto.
6. Como observador, e não sendo angolano, não faço política partidária angolana. E lamento que, para fazer política partidária angolana a partir de Portugal, alguns tenham tentado enlamear os observadores internacionais em bloco. É ridículo pretender que, por exemplo, deputados relevantes do MPD (Cabo Verde) ou da Renamo (Moçambique), observadores da CPLP, sejam joguetes do MPLA. O nosso ponto é, apenas, a verdade eleitoral e o seu valor para o progresso da democracia.
Observador CPLP nas eleições em Angola
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico