Para uma biópsia da DGArtes
Gostaria de ver uma DGArtes que fosse além de administrar a realidade que de baixo lhe vem de jurados transitórios e de cima de finanças muito curtas.
Com a Direcção que tomou posse no início do ‘consulado’ de Graça Fonseca e após várias remodelações internas, com saídas e entradas de funcionários, bem como algumas deslocações nas competências atribuídas entre eles, a DGArtes melhorou. Não se deve menosprezar um atendimento que passou a ser mais cordial, mais rápido e de procura de resposta concreta a questões levantadas. O que não basta para uma avaliação, mas é um indicador, pelo menos, simpático. Aliás, só este facto em si reforça a ideia de que não faz qualquer sentido atribuir as tão ‘decisivas decisões’ para a vida de cada estrutura de per se, e das Artes Cénicas em geral (os Concursos de Apoio Sustentado), a júris formados ad-hoc e, pior, afogados em dossiês, na maior parte com informação repetida e/ou inútil e sem muita outra, útil e objectiva. Não faz sentido isso, nem faz sentido que o que se lhes peça, objectivamente, seja a avaliação de processos sem conhecimento das práticas e do histórico da maioria dos concorrentes. E que, mesmo quando não malevolamente ou por nepotismo, façam escolhas, elas acabam inevitavelmente por terem como base a proximidade do conhecimento/desconhecimento dos concorrentes.
Também o argumento da criação de Comissões de Acompanhamento como forma de aproximação do trabalho das estruturas não me convence. Estas Comissões são externas à própria DGArtes e nem sempre constituídas por pessoas idóneas. As que são deveriam integrar a DGArtes com funções de técnicos competentes, as outras dispensadas. A dicotomia de Comissões de Acompanhamento (externas) para um lado e de Gestores Técnicos da DGArtes (para acompanhar administrativamente as estruturas) para outro não faz sentido. Reduzir a DGArtes a um organismo de gestão burocrática é como retirar-lhe a razão de existir. Aliás, essa contratação dos Acompanhadores capazes, deveria responder, ao mesmo tempo, a outra manifesta insuficiência da DGArtes: o baixo número de quadros que continua a ter. Terão entrado 20? Deveriam ser necessários mais 50 ou 60, tal como as verbas disponíveis para o apoio às actividades não basta serem sequer duplicadas para uma reforma minimamente impactante. O limiar em que todos estamos, de um e outro lado, criadores e técnicos do Estado, é o de receitar uma aspirina para uma pneumonia. No caso da DGArtes para acompanharem no terreno; no caso dos criadores para terem as condições mínimas do que façam.
A situação é tão patética que basta dar nota de que os próprios funcionários da DGArtes estão objectivamente impedidos de ir ao terreno ver a realidade, se ela está fora da Área Metropolitana de Lisboa. Porque não há cabimentação orçamental para lhes pagar um comboio, refeições ou alojamento para poderem ir a Faro ou a Bragança ou sequer ao Porto! A situação é tão patética que para a Rede Nacional de Teatros e Cineteatros, que se andou anos e anos a discutir e preparar, não se tenha previsto uma cabimentação orçamental para equipamento técnico: pode mudar-se um urinol partido, não se pode comprar um projector que se danificou ou ficou obsoleto com o tempo!
Quanto à falta de recursos financeiros trata-se de uma falácia, que roça o cinismo. O dinheiro para a Cultura são migalhas, mesmo que quintuplicado no Orçamento de Estado, como se viu com o reforço extraordinário na covid: dinheiro não é o que falta. Por exemplo: os 40 milhões que foram concedidos ao empresário Mário Ferreira e este dispensou, podiam ser logo reconduzidos para a Cultura. Mas mais do que tudo, isto é o reflexo de todo o atraso Cultural e falta de massa crítica que nos governa no seu sentido global: do Poder Político até aos comentários que se possam ouvir num autocarro ou às vergonhosas opções, na generalidade, da programação dos nossos canais de televisão ou das postagens nas redes sociais, impera o mau gosto, o desinteresse, a ignorância falta de bom-senso. Porém, só a partir do Poder Político se pode iniciar uma transformação que demorará anos, exige investimento e paciência para ver e medir resultados; e mais ainda, ter a compreensão de que essa opção está entre uma das várias prioridades para o País crescer, desenvolver-se e, até economicamente, a prazo, tal se reflectir positivamente no tecido produtivo e no PIB nacionais.
Certamente já se terá percebido que deste artigo não se deve inferir uma defesa ou sequer um alinhamento muito grande com a DGArtes, tal o que ela é, mais do que como está ou quem lhe pertence. Mas também é certo, por isto tudo, que gostaria de ver uma DGArtes que fosse além de administrar a realidade que de baixo lhe vem de jurados transitórios e de cima de finanças muito curtas. Para decidir ela mesma e ser a responsável na decisão a corpo inteiro. Com quem pudéssemos discutir ideias e factos e não apenas intenções e boas vontades.