Querido mês de (compreender) emigrantes

Reflectindo sobre a emigração podemos ver que há casos de regressos e outros que ficaram no país onde construíram a sua vida: têm famílias (companheiro/a, filhos/a, sogros, etc), empregos, amigos no país de destino, mas também família cá. Uma vida de delicada gestão entre, pelo menos, dois países.

Foto
Emigração Chuttersnap/Unsplash

Houve uma altura em que gritava “Deixem os emigrantes em paz”. Como têm aumentado as piadas fáceis (e por vezes maldosas) nas várias redes sociais, bem como a utilização de preconceitos com emigrantes no mundo do marketing digital, penso que é melhor convidar toda a gente a conhecer o mundo da emigração portuguesa. Não gritar. Convidar a conhecer, compreender e reflectir.

Devo começar por admitir que nunca conseguirei fazer um retrato “inteiro” deste fenómeno marcado no ADN de Portugal. A emigração é uma constante social, política, económica e até psicológica, mas podemos concordar que quem migra (emigra e automaticamente imigra), fá-lo para ter melhores condições de vida. Usualmente para si e muitas vezes para os seus familiares, mesmo os que ficam.

O que muda nestes múltiplos cenários é o tipo de migrações. Por exemplo, se são intercontinentais, intra-europeias, se há “movimentos de vaivém” em que emigra apenas parte do núcleo familiar, planeando o regresso.

Adicionalmente, há ainda alteração no perfil dos emigrantes. Desde a crise que vivemos acentuadamente após o ano de 2010, tivemos um aumento substancial de emigrantes com habilitações superiores e que constroem projectos migratórios assentes no investimento profissional e reconhecimento do que é basilar ao bem-estar pessoal/social, já que no seu país de origem não encontraram essa possibilidade.

Em Agosto, período de férias por cá e em muitos países europeus, estes cidadãos regressam ao seu país para estar com as suas famílias, amigos, falar a sua língua materna e estar no local que os faz sentir em casa. Ou, pelo menos, na sua “casa de coração”, como me disse um entrevistado.

Ora, estabelecendo empatia mínima com esta questão, desde logo entendemos o quão duro e de desgaste podem ser estas trajectórias. Passada mais uma década da crise que deu origem à “geração à rasca”, podemos ver que há casos de alguns regressos e outros que ficaram no país onde construíram a sua vida: têm famílias (companheiro/a, filhos/a, sogros, etc), empregos, amigos no país de destino, mas também família cá. Uma vida de delicada gestão entre, pelo menos, dois países.

O que é mais curioso? Num estudo que desenvolvi, com quase 400 jovens adultos emigrantes: quanto mais os mesmos se sentiam integrados e conectados socialmente no país onde estavam emigrados, mais predispostos estavam em ajudar as suas figuras parentais e familiares/amigos próximos em Portugal. Talvez isto nos faça reflectir sobre a expressão linguista com estrangeirismos, hábitos culturais, gastronómicos, de roupa, entre outros, ao que consideram possível para a vivência da interculturalidade sem menosprezo à sua identidade.

Estes hábitos interculturais podem parecer fáceis à sátira – como tudo o que é “diferente” das normas vigentes – mas ironicamente opostos. Quem vem de férias e traz as suas características “diferentes”, na verdade, são pessoas que devemos receber com especial afecto. Conseguiram definir uma ponte para reduzir a precariedade, uma ponte de afectos que anula muros culturais, estabelecem prioridade em continuar a acompanhar/cuidar dos seus pais/avós cada vez mais envelhecidos e com um gap geracional grosseiro que os coloca em fragilidade num país que não sabe gerir o envelhecimento.

Por isso, resta-me questionar: será que a emigração é só sobre quem vai? Ou também sobre as suas redes que ficam? Será que estes “visitantes” não estão a tentar acompanhar os seus familiares/amigos, matando saudades e revigorando relações importantes? Por fim, não será esta multiplicidade de vivências importante ao nosso desenvolvimento como humanos?

Obrigado, emigrantes.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários