Em Petrópolis, ainda se paga uma taxa aos herdeiros do imperador
Instituído no século XIX, o laudémio é cobrado aos habitantes de Petrópolis pelos herdeiros de D. Pedro. Moradores pagam 2,5% sobre as transacções imobiliárias das casas à Companhia Imobiliária de Petrópolis, empresa criada pelos descendentes da antiga família real.
A monarquia no Brasil pode ter acabado, mas os vínculos com a antiga família real continuam — numa estranha taxa. Desde o século XIX, os moradores de algumas zonas de Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, têm de pagar aos descendentes de D. Pedro a chamada “taxa do príncipe”.
Tudo começou em 1832 com a compra da antiga quinta do Córrego Seco por D. Pedro I do Brasil, D. Pedro IV em Portugal, explica o escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Paulo Rezzutti. Além dela, outros imóveis acabaram por ser adquiridos, ampliando a propriedade que havia sido comprada de forma particular pelo imperador. “Ele tencionava fazer lá um palácio de Verão para fugir das doenças e epidemias da cidade do Rio de Janeiro, que pioravam com essa estação”, diz Rezzutti.
Para povoar aquelas terras, Rezzutti conta que D Pedro decidiu então dar lotes de terras a imigrantes alemães sob a forma de enfiteuse, um acordo, previsto na Constituição brasileira, feito entre o real proprietário do imóvel e o enfiteuta (aquele que usufrui da propriedade). Assim, os colonos deveriam pagar ao imperador uma taxa caso vendessem, doassem ou transmitissem por herança o terreno.
Daqueles terrenos surgiram o centro da cidade de Petrópolis e outras freguesias. E mesmo com as mudanças no cenário político, as leis permaneceram e os descendentes de D. Pedro continuam a usufruir desse instrumento de exploração de propriedade. Assim, parte dos moradores paga 2,5% sobre as transacções imobiliárias das casas à Companhia Imobiliária de Petrópolis, uma empresa criada pelos descendentes da antiga família real. Actualmente, a entidade é comandada por Pedro Carlos de Orléans e Bragança, primo de Juan Carlos da Espanha e chefe do ramo de Petrópolis da (auto-intitulada) família imperial brasileira.
A indignação dos moradores
Até 2003, a Companhia Imobiliária de Petrópolis tinha o direito de avaliar os terrenos por conta própria. “Antes do novo Código Civil, a empresa cobrava o laudémio sobre o valor da terra e o valor das benfeitorias construídas sobre ela”, relata o agente imobiliário Paulo Roberto Esteves. “Muitas vezes, avaliava o imóvel muito mais caro do que o valor da negociação. Era inviável para a pessoa pagar”, corrobora Claudemir Luiz Hang, consultor imobiliário e morador de Petrópolis.
“Agora, muitas pessoas entraram com um processo judicial para pedir a restituição dos valores pagos a mais”, conta Claudemir, acrescentando que é uma dessas pessoas: “Estou a aguardar a devolução da diferença, porque eu paguei sobre a avaliação deles e paguei muito. Caso contrário, não conseguiria ter a escritura.”
A quantidade de imóveis afectados por esta taxa e o valor do lucro da Companhia Imobiliária de Petrópolis não são conhecidos, uma vez que o dinheiro arrecadado não passa pelos cofres públicos. No entanto, o relatório da Assembleia Geral Ordinária de 2021 da empresa, citado pelo jornal Folha de São Paulo, dá conta de que directores recebem, juntos, quase 200 mil euros por ano.
“A justificação jurídica dessa taxa é que a família é de facto a proprietária desses terrenos”, refere o advogado Sérgio Tuthill, para quem estas propriedades são um “bónus sem ónus”, já que os donos não têm “responsabilidade alguma de arcar com as questões sociais ou ambientais que recaem sobre elas”, como a derrocada que matou mais de cem pessoas no começo do ano e que pôs o laudémio nas notícias.
Segundo os agentes imobiliários, “todos os moradores são contra” o laudémio. “As pessoas acham que é um horror”, afirma Paulo. “É algo que não é benéfico para a cidade. Até hoje, Petrópolis sofre com problemas devido à derrocada e a Companhia Imobiliária nunca ajudou em nada”, diz Claudemir.
Apesar de ser conhecida como “taxa do príncipe”, o laudémio não era um direito exclusivo da família real e outras pessoas ou entidades também possuem acordos de enfiteuse que vigoram até hoje. “É, na verdade, um instituto jurídico muito antigo, existente desde o direito romano”, refere Sérgio. “Além das enfiteuses privadas, temos enfiteuses públicas, cujo proprietário é o Governo. Isso acontece principalmente no caso dos ‘terrenos de marinha’ [lotes de terra situados no litoral brasileiro].”
O advogado explica, ainda, que, “ao contrário do que aconteceu em Portugal”, o Brasil só conseguiu proibir “a criação de novas enfiteuses, mas as que existem continuam a existir”. Outras tentativas de extinção das enfiteuses privadas já aconteceram, mas nenhuma prosperou.
“Para acabar com o laudémio, seria preciso pensar numa regra de transição que unisse juristas, economistas, políticos. E precisaria evitar tanto a judicialização excessiva, quanto a criação de um grande custo para aqueles que se tornariam os proprietários. É um tema considerado antiquado, mas ainda está aí.” E, conclui, precisa de ser discutido.
Texto editado por Amanda Ribeiro