“Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir/Sentir tudo de todas as maneiras/Sentir tudo excessivamente…”. A voz de João Reis dá início ao Spiritus, um espectáculo imersivo de luzes que nasce das paredes da Igreja dos Clérigos, no Porto. A viagem promete ser “uma alucinação extraordinariamente nítida”, ou não fosse a experiência inspirada no poema da autoria de um dos heterónimos de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos.
Um laser posicionado ao fundo do edifício, na parte de cima do altar, varre a sala de um lado ao outro, como que a preparar o que está por vir. Irrompe pelas colunas a banda sonora, que, a par das luzes, vai conduzir o espectáculo que funciona a 360 graus. De repente, somos envolvidos por um universo que entretanto sucumbe, criando uma chuva de partículas luminosas que ‘caem’ sobre o público que os observa – uns sentados, outros deitados, nos bancos da Igreja. “Nós queremos que cada um sinta à sua maneira. Acho que o espectáculo tem que ser visto com os olhos, mas sobretudo sentido com a alma”, diz o produtor-executivo da experiência Edoardo Canessa, do atelier OCUBO, em conversa com a Fugas.
A “narrativa conceptual e emocional” divide-se em cinco momentos, explica Edoardo. “A origem” é o primeiro, que é interrompido quando, na cúpula da Igreja – a zona “que tem mais leitura” e que, por isso, é o “foco principal” do espectáculo – despertam relâmpagos que provocam a queda das folhas por onde passavam passarinhos chilreantes (que afinal eram peixes, segundo exclamou um dos visitantes mais novos).
Quando tudo é aspirado por um buraco negro, transitamos para a fase da desarmonia, do sofrimento. Depois, durante alguns instantes, respira-se, antes de se instalar “a paz”. Surge um redemoinho de água, cujas gotas vão escorrendo pelas paredes do espaço – durante o dia, de oração, e “de magia a partir das 18h”, nota o produtor. Na superfície emblemática que tapa o céu, há uma flor que nasce, e renasce, repetidamente, ao mesmo tempo que adornam os santos alinhados nas laterais do templo ornamentos florais pintados das cores mais vivas do arco-íris, anunciando uma primavera idílica.
Para acabar, e por meio de uma ebulição, o recomeço. Depois dos últimos versos do poema anunciarem o fim da viagem, ouvem-se as palmas dos passageiros que, desde a estreia da experiência, a 28 de Abril, já são quase 20 mil.
“Não é fácil criar um espectáculo aqui”
O atelier OCUBO, responsável pelo projecto, tem experiências espalhadas por outros locais, como a Alfândega do Porto, mas criar um espectáculo de luzes num “dos emblemas da cidade do Porto, um dos monumentos mais visitados do país” é, em simultâneo, “uma grande honra e um grande desafio”, confessa Edoardo Canessa.
Ao todo, revela o produtor, as alegorias formam-se através de oito projectores de alta resolução, 24 focos de luz, para além de um laser principal e uma máquina de fumo.
“O grande desafio foi dar vida a todos os elementos arquitectónicos desta igreja de Nicolau Nasoni, todos os granitos e detalhes em dourado. Ou seja, através da nossa arte, que é a arte da imagem, da luz, pegar em cada elemento e dar-lhe vida”.
A abordagem da Irmandade dos Clérigos junto do atelier surgiu numa altura em que “estávamos a sair de uma pandemia profunda”, conta o director executivo da Torre dos Clérigos, António Tavares, em declarações à Fugas, na qual “a Torre e o Museu dos Clérigos ficaram muito debilitados” pela ausência de visitantes. “Sentimos que devíamos ter uma iniciativa que trouxesse algum cariz de inovação e de curiosidade a quem nos pudesse visitar”, afirma o director.
Contudo, uma das principais preocupações foi o facto de o local continuar a ser “uma igreja em culto, aberta ao público” e, por isso, seria necessário “desenvolver todo o plano à volta disso”, refere António Tavares.
Tendo esta questão em conta, a acrescentar ao “trabalho de construção do espaço em 3D”, “muito longo”, e à dramaturgia, foi realizado um estudo para garantir o “máximo respeito pela arquitectura e visita” ao monumento. “Não é fácil criar um espectáculo aqui”, assume Edoardo. “Mas eu acredito sempre que, quando tecnologia, inovação e património se juntam, nasce sempre algo de superlativo”, acrescenta.
Para o ano, “quem sabe”, um novo espectáculo
Para já, a experiência imersiva estará em exibição até 16 de Outubro. “Depois vamos ver. Quem sabe se a Igreja nos deixa continuar”, sugere Edoardo. Pelo que disse à Fugas o director executivo da Torre dos Clérigos, “tudo está em aberto quando as coisas são positivas”. “Ficaremos contentes se a parceria se mantiver”, refere, acrescentando que, “quem sabe”, talvez “haja um novo espectáculo para o ano com outras atracções”.
Entretanto, os bilhetes para o Spiritus continuam a estar à venda, tanto no site, como no local. Cada espectáculo tem a duração de 30 minutos – de segunda a sábado há seis horários disponíveis (18h, 18h45, 19h30, 20h15, 21h, 21h45). Ao domingo, a experiência decorre três vezes (18h, 18h45, 19h30).
Artigo editado por Luís J. Santos