O calor e a seca vividos nestes últimos meses podem ser uma pequena amostra das próximas décadas. Atravessamos um período em que os fenómenos climáticos extremos são cada vez mais frequentes e com consequências reais para as populações, a biodiversidade e os ecossistemas. Depois do “novo normal” introduzido pela pandemia, teremos um novo “novo normal” em que os fenómenos extremos raros passam a ser a norma. A pergunta que nos devemos fazer é simples: será este o Verão o mais fresco das próximas décadas?
As temperaturas anormalmente altas sentidas nos últimos meses, associadas à baixa precipitação, resultam em extensos períodos de seca na maior parte do território nacional e ao emurchecimento permanente de algumas destas regiões. O fenómeno não é local e todos os países que fazem parte da bacia do Mediterrâneo sofrem consequências semelhantes nos seus territórios.
Se à situação actual juntarmos a anunciada crise energética a concretizar lá mais para o final do ano, mas da qual já se sentem os abalos premonitórios, estas últimas semanas podem de facto vir a ser as mais frescas das próximas décadas. Não será difícil de prever as consequências de estarmos, em pleno século XXI novamente a produzir energia eléctrica através de fontes altamente poluentes como é o caso do carvão. A velocidade da reabertura destas centrais contrasta com a relutância em atribuir ao gás natural e ao nuclear o rótulo de energia sustentável. Fontes de energia alternativa, ou de transição, que podem determinar o sucesso da transição energética e da luta contra a crise climática.
Se os fenómenos climáticos são globais, é localmente que a acção tem que ocorrer. É imperativo contrariar aquilo que parece ser o desapego nacional à caracterização dos recursos geológicos e promover a sua gestão eficiente e de forma integrada. Hoje não escrevo sobre a importância dos recursos minerais para a transição energética, que é actualmente indiscutível, mas sobre uma oportunidade perdida e um risco que somos obrigados a minimizar.
Tivemos no passado recente a oportunidade de desenvolver um projecto sustentável para a produção de gás natural no offshore do Algarve onde, à luz do conhecimento científico actual, se acredita que existam grandes reservas deste recurso. Reservas que não estão quantificadas. Podíamos hoje desempenhar um papel central no interior da União Europeia simultaneamente no alívio da dependência do gás russo e na promoção de um combustível mais verde que o carvão, de transição, e liderar o processo de transição energética onde actualmente nos destacamos, e bem, pelo desenvolvimento de projectos associados a fontes de energia renováveis.
Para o futuro, desejo que as nossas acções em relação aos recursos hídricos, que estão hoje sob uma elevada pressão, sejam significativamente diferentes das actuais e se promova e aprofunde o conhecimento técnico e científico nesta área. Se para os recursos hídricos superficiais a consciencialização é mais fácil, os impactos são visíveis diariamente, há uma grande quantidade de água debaixo dos nossos pés (em aquíferos) que é ainda hoje profundamente desconhecida, mas que necessita de ser bem caracterizada para a sua gestão sustentável.
É urgente e necessário o desenvolvimento de modelos numéricos computacionais que permitam modelar a interacção entre a água subterrânea e a geologia envolvente, e a evolução deste sistema complexo para diferentes cenários climáticos globais e de exploração através de furos de captação de água. Estas ferramentas são essenciais não só para a gestão deste recurso pelas autoridades responsáveis, mas também para comunicar às populações, e comunidades de agricultores, os efeitos produzidos sempre que um novo furo de captação de água é efectuado sem planeamento.
O novo normal tem que ser forçosamente melhor, mas para que isso aconteça é essencial que os recursos geológicos nacionais sejam primeiro conhecidos para que posteriormente sejam valorizados.