O essencial e a silly season
Não são raros os casos de quezilias quixotescas entre ministros em países e governos que são por nós celebrados ad nauseum como modelos invejáveis.
O debate público acerca do novo aeroporto tem cinquenta anos. Iniciámos esta discussão pública quando o filme Tubarão foi apresentado ao público por Spielberg. Este é o facto perturbante que, mais do que qualquer drama governativo que acirra o debate mediático e que instiga a ira das tribos políticas, deveria preocupar todos os portugueses. Dir-me-ão, certamente: o que Pedro Nuno Santos fez foi uma imperdoável transgressão das boas maneiras democráticas e dos procedimentos constitucionais que, preparem-se para a autoflagelação, faz Portugal parecer uma “república das bananas.”
Esta preocupação obsessiva com as aparências é um nada edificante desporto nacional. Entre um Narciso indignado e um flagelador masoquista, venha o Diabo e escolha. Não são raros os casos de quezilias quixotescas entre ministros em países e governos que são por nós celebrados ad nauseum como modelos invejáveis. Poderia citar muitos casos igualmente bizarros, mas não vos quero maçar ou sequer tentar “normalizar” aquilo que é flagrantemente anormal.
Dito isto, alguns falam como se Pedro Nuno Santos tivesse, na calada da noite, organizado um golpe de Estado com os seus aficionados vanguardistas do PS e do Bloco de Esquerda. O impetuoso, imagino eu, certamente já terá percebido que atingiu o seu pé direito com um disparo de uma howitzer de canos cerrados. Pouco importa, porque o que verdadeiramente interessa é que todos perceberam que o jovem ministro agiu mal e que não é descabido supor que a sua outrora auspiciosa carreira política hoje parece uma miragem de um beduíno sedento. Um consenso condenatório que, note-se, une todos os partidos e bípedes da Lusitânia. Por outras palavras, o sistema funcionou.
Numa república das bananas estes comportamentos são ignorados, silenciados ou encorajados pela maioria ou por todos. Não foi isto que aconteceu, claramente. É verdade que cometer um erro é pior do que nada fazer, a não ser, claro, que a passividade mórbida que é reiteradamente justificada pela inescrutável complexidade de cada escolha (aeroporto) se transforme num ritual que se eterniza. O Aeroporto do Montijo será, temo, um mero interlúdio de uma ou duas décadas desta longa e humilhante saga.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico