Raquel Seruca, panzer de veludo
Viveste apaixonadamente, lutaste por causas e ideais. Mobilizaste este mundo e o outro por aquilo que acreditavas.
Não sei se escreva na primeira ou na terceira pessoa. Usarei as duas porque as regras são para ser quebradas e hoje é dia de exceção. A vida ficou mais vazia e os seus corredores mais silenciosos. A Raquel (a Raquel Seruca) fazia-se ouvir, sem filtro, sem corretor, sem medo. Era o que aqui no Norte chamamos de uma mulher “com pelo na venta”, mas ao mesmo tempo capaz de apreciar o perfume do pão torrado na alvorada de domingo, que nem panzer de veludo, destemido, mas ao mesmo tempo dotado de uma sensibilidade fora de comum. Pensava sempre primeiro nos outros, antes de pensar nela.
Apesar dos seus mais de 250 artigos científicos citados cerca de 25 mil vezes por esse mundo fora, nunca puxou dos galões da autoridade e será acima de tudo lembrada pela sua enorme vertente humana, sempre pronta a ajudar o próximo. Raramente estávamos de acordo, ela era o coração e eu a cabeça, ela era o acelerador e eu o travão. Mas no fundo ambos queríamos a mesma coisa e quase sempre nos encontrávamos a meio. Tínhamos um respeito e admiração enormes um pelo outro. A Raquel era uma defensora acérrima de todos os que não tinham voz, e que voz ela tinha e que saudades nos vai deixar. Era a minha guru sempre que eu precisava de conselhos quando o cancro batia a porta de amigos e familiares. Dotada de uma intuição rara para a doença, lia tudo o que havia sobre o assunto e sabia como ninguém quem era quem e como ajudar. Jamais esquecerei quando me disse “o cancro trata-se por quem sabe, não por quem quer”. Palavras sábias.
Intolerante para com as injustiças, dava tudo pelas pessoas, que nem mãe a defender os seus filhos. Acreditava na superação das pessoas e fazia-nos sentir os melhores do mundo. Pensava sempre primeiro no coletivo, antes do indivíduo. Os seus abraços eram infinitos e sinceros. A Raquel era única, irrepetível e insubstituível. Quando ficou doente, soube logo que seria uma guerra difícil e apressou-se sempre a dizer que não queria homenagens e que “detestava essas merdas”. Por isso, que fique claro, isto NÃO É uma homenagem, mas um choro profundo e inconsolável pela tua partida. Cada dia que passa compreendo melhor o sentido que davas ao cheiro do pão torrado e à importância das coisas simples da vida. Viveste apaixonadamente, lutaste por causas e ideais. Mobilizaste este mundo e o outro por aquilo que acreditavas. Deixas um rasto de bondade e generosidade enorme por onde passaste e hoje serei porventura melhor pessoa porque tu exististe na minha vida. Isto não será a mesma coisa sem ti.
Há muito que não sou crente, mas o Céu ou o Inferno que se cuidem, a Raquel está a chegar! (Risos).
Um abraço Raquel, igual aqueles que tu nos davas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico