Eu emigro, tu emigraste. Ele emigra, nós emigrámos. Vós emigrastes, eles emigraram. Afinal, somos todos um tanto ou quanto filhos, ou netos, dos migrantes que nunca conhecemos, mas que sabemos que fazem parte da nossa história, da nossa essência.
Eu sou do Sul, de uma cidade contornada por uma baía azul, onde o Sol nasce na linha do horizonte que se vê ao fundo do mar e quando eu acordo ele já brilha. Abro a janela e sinto o cheiro da maresia; o ar, esse, é tão leve que nem se sente, mas o sabor do salitre está bem presente no paladar. Saio para a rua e cumprimento os meus vizinhos: o do segundo andar, que passeia os três cães; o do primeiro, que chega da caminhada matinal; e o do café, o Senhor João, que está sentado na esplanada a beber uma bica e a ler o jornal. E é esta correria matinal de um bairro familiar que me faz sentir em casa.
Imaginem, agora, o quão difícil foi deixar isto em prol de um objectivo pessoal e profissional; em prol de uma situação económica mais digna, que me dá a liberdade de usufruir de todos os meus direitos mais básicos; em prol da valorização e aprendizagem constante do indivíduo como ser e não como “empregado”. É muito, e só quem tem a audácia de se aventurar entenderá as dificuldades que todos os emigrantes enfrentam quando mudam de país. São os cheiros e os sabores, são as caras e as amizades, as gargalhadas em coro, é o falar a mesma língua, a tradição e a cultura, é a saudade que nos invade e nos faz querer viajar de volta, mesmo sabendo que não há bilhete de ida.
Eu tive de sair, de deixar para trás tudo o que conhecia e de me esquecer que a palavra saudade só existe em português, tive de desacomodar-me e carimbar o passaporte para poder realizar tudo aquilo que idealizo. Faço aquilo que mais gosto, trabalho em hotelaria, na parte financeira de um hotel em Madrid onde, de momento, desempenho funções que dificilmente desempenharia com a minha idade em Portugal. Apesar de estar mesmo ao lado, na vizinha Espanha, aqui vivo, não sobrevivo, faço o que mais gosto e sou reconhecida, tenho um salário ajustado de acordo com a realidade económica do país e uma perspectiva de futuro que o afigura bastante risonho.
Foi graças à globalização que eu pude tomar esta decisão, foi ela que me permitiu escolher onde quero estar, o que quero fazer e quando quero regressar. Ela chegou e o mundo tornou-se um só, redondo de cor azul e verde, com ténues linhas brancas que sobrevoam o território e onde a palavra “fronteira” perdeu o lugar do pódio, sendo substituída pela multiculturalidade. A abertura à mudança e à aceitação de tudo o que nunca vivemos, nem vimos, e de tudo o que pensávamos que poderia estar errado e não está, não é tarefa fácil, nem tão pouco é para todos. Para isso, é obrigatório sermos corajosos, audazes e conscientes ao ponto de entendermos que uma mudança de país não é um recomeço, mas sim a continuidade do percurso pessoal e profissional que o nosso país de origem deixou de nos poder proporcionar.
Mas nem tudo é mau e o ganho está em procurar incansavelmente quais os alicerces da nossa resistência e resiliência, pois esses serão os motores da nossa permanência e da nossa capacidade de nos adaptarmos à volta que demos à nossa vida. Os países que criam condições em que os jovens sentem que têm de sair para poder alcançar tudo aquilo que desejam são os mesmos que perderão os motores do desenvolvimento, do empreendedorismo e do progresso e que, por isso, não estarão na vanguarda do sucesso colectivo e individual. Aqui, mesmo ao lado, eu vim ser o que não fui e vim fazer o que nunca fiz. Aqui, mesmo ao lado, ao longe, eu vejo Portugal.