A 7 de Abril, 14 jovens europeus foram convidados para irem à sede da Comissão Europeia, em Bruxelas, para dialogar com o vice-presidente executivo da Comissão, Frans Timmermans, sobre consumo sustentável. Fui um deles. Esta é uma crónica sobre o diálogo, mas muito mais: sobre desencanto transfronteiriço, inconformismo e esperança, numa geração a quem tiraram o direito a sonhar com utopias.
Na actual economia de consumo, linear, cuja ineficiência no uso de recursos está embebida em todos os aspectos da cadeia de aprovisionamento, parece pouco razoável acreditar na transição para um modelo circular – onde o desperdício é raro a inexistente, e o uso de serviços substitui a necessidade de posse de bens. Falar sobre consumo sustentável é falar sobre revolução sistemática. Trata-se de reinventar um sistema económico implementado há décadas, que constitui o alicerce da ideia de riqueza e crescimento. Fortes muralhas guardam este actual paradigma, desincentivando a acção política a nível das nações.
Neste sentido, a União Europeia (UE) surge como um jogador importante. A UE tem autoridade para guiar este mosaico de pequenos países para uma acção conjunta e orientada para objectivos específicos. Por sua vez, constitui uma força económica suficientemente significativa para influenciar também os mercados internacionais, advogando por mudança. Problema resolvido.
Timmermans foi o primeiro a reconhecer que não. No diálogo, falou-nos abertamente, adequando a sua retórica ao grupo com quem conversava. Assegurou-nos de que tentava negociar as medidas mais radicalmente eficientes que conseguia, mas que existem desafios intra-europeus que não podem ser descurados. A heterogeneidade económica e cultural dos Estados-membros não permite medidas demasiado transversais. Desigualdade social, graves défices financeiros não permitem que governos de países como Montenegro priorizem metas ambientais. “Não podemos esperar que se preocupem com o fim do mundo quando nem sabem se chegam ao fim do mês”, afirmou Timmermans.
Referindo a recém-publicada parte três do sexto relatório do IPCC, que conclui que estamos muito longe de atingir o objectivo de neutralidade carbónica em 2050 (estabelecido aquando do Acordo de Paris), Timmermans confessou que “we are in deep shit” ("estamos na merda"). Este sentimento ecoou em cada um de nós, que crescemos na infância da consciencialização climática e temos sido testemunhas do progressivo agravamento do prognóstico de qualquer fonte científica. Este avanço do comboio da emergência por acção climática não é acompanhado por acção política que lhe faça jus, despojando-nos de optimismo. “A minha geração tem colonizado a vossa geração.” Jazerá sobre nós o peso de encontrar desfechos. Colonizaram-se recursos, tempo e esperança, e é nas cinzas destes excessos que teremos de inventar fénixes.
Perante o actual contexto geopolítico, Timmermans falou apaixonadamente. As tentativas de isolamento económico da Rússia estão a ter um profundo efeito na UE, em particular no que toca ao fornecimento energético. A transição energética para a independência de fontes de carbono encontra agora uma oportunidade-chave, expondo por outro lado profundas sensibilidades económicas que a UE via ocultadas por detrás do que foi um dos maiores períodos de paz da sociedade ocidental. “Estamos perante uma revolução apenas comparável à revolução industrial”, disse Timmermans. “E são vocês que vão liderar a mudança.”
Também no contexto da ofensiva russa e resposta internacional, a conversa recaiu sobre “fake news”, rótulos ideológicos e espírito crítico. “Testem as vossas convicções. (…) Se não o fizerem, os vossos valores tornam-se normas”. Na era das crenças axiomáticas, de juízos de valor não sustentados mas reforçados por plataformas digitais que operam no mercado da dopamina, é fácil reconhecer que a gestão da opinião pública vai ser um dos grandes desafios da nossa geração. Todos identificáramos a dificuldade em apelar aos “amenos” – aqueles que estão sensibilizados para emergências ambientais, sociais e políticas, mas inactivos perante soluções; e todos nos confessámos cépticos perante a ideia de chegar aos “desinteressados”. Eis outro peso sobre os ombros geracionais dos futuros líderes.
Sentindo-me mais próxima de legisladores, o diálogo não deixou de ser uma breve lufada de ar fresco para jovens que não conseguem fugir à sensação de gritar para um vazio. Não ficamos por aqui, ou não seríamos mais que parte de uma máquina de propaganda política: queremos a voz jovem mais activa na tomada de decisões a nível europeu, garantido que a nossa geração não é deixada para trás. Palavras não bastam para manter a humanidade à tona neste mar de mudança e impotência, mas inspiraram-me os jovens com quem partilhei esta oportunidade. Fique a esperança de saber que não despem o pesado manto dos desafios futuros. Apesar de tudo, nadamos.
Não queria deixar de referir os nomes dos restantes jovens: Anar Ahmadzada (Eslováquia), Dunja Trifunović (Sérvia), Fotios Kotzakioulafis (Grécia) Giacomo Arrigo Pieretti (Itália), Hlib Mikhno (Ucrânia), Jelena Mugoša (Eslovénia), Lidia Martín Velasco (Espanha), Nadia Paleari (Itália), Nuno Gaspar (Portugal), Morgan Janowicz (Polónia), Suzanne Groenewoud (Holanda), Yohana Fontenla (Espanha), Zuzanna Borowska (Polónia).