Paradoxos (a corrigir?) nos apoios anunciados pela DGArtes
Vamos, por ora, ignorar a (ainda) manifesta insuficiência de verbas e falar do que são melhorias, embora insuficientes ou paradoxais, nos apoios anunciados pela DGArtes.
Ao ler um documento que a DGArtes enviou aos hipotéticos concorrentes a Apoios Sustentados, antes de todo o Regulamento pronto, ainda possam ser alterados, não resisto a vir a terreiro público, que não era minha vontade neste momento. E não volto a outros que persistem em erros como, o mais saliente e perturbante, a manutenção de ‘júris ad-hoc’ para o que TEM DE SER uma decisão política, responsável, corajosa, assumida sem intermediários. Sobre este assunto já discorri litros de tinta e se me secou a garganta. Nem tanto pelos vícios que haja (e tem havido) na constituição dos júris, mas porque não sendo escrutinados (como são os governos), nem lhes sendo sequer humanamente possível saberem o que em concreto (e não em ‘redacções’) estão a julgar, é um rematado disparate. Quando muito, deveriam ser consultivos, assumindo a tutela – ou quem na administração pública ela delegasse – a decisão final. Para já não dizer que estruturas há que, pelo seu passado e perspectivas de futuro à vista, podiam/deviam ser simplesmente chamadas a um diálogo para estabelecer contratos-programa e não serem ‘candidatos’ de um concurso. Mas vamos, por ora, ignorar isto e a (ainda) manifesta insuficiência de verbas e falar do que são melhorias, mas, ao mesmo tempo, insuficientes ou paradoxais.
a) É, em si e por defesa do emprego artístico, positivo que o valor máximo a atribuir a custos de Estrutura tenha aumentado. É estranho que havendo (bem, como se disse) uma valorização do emprego artístico, a percentagem (60%) de limite a afectar à estrutura seja, por si, condicionante de mais contratações, cujo custo vai para estrutura e ‘provoque’ a ‘inevitabilidade’ de empurrar o contrato para recibo verde (mesmo com o novo Estatuto de Profissionais da Cultura). A menos que os custos dos que são elegíveis à luz desse Estatuto sejam imputados não a custos de Estrutura, mas aos de produção/criação.
b) É um passo em frente que se tenha compreendido da necessidade de criar um conjunto de estruturas axiais com condições mínimas para serem a base de um sistema plural, mas de cumprimento de um Serviço Nacional de Cultura (ainda que estejamos muitíssimo longe disso, isto também terá de passar ao nível do sector privado que queira apoio estatal), sem meter tudo no mesmo saco, incluindo projectos de ocasião. Estes são – e bem – deixados para outros concursos, também úteis e necessários, mas com características diferenciadas, independentemente da grandeza das verbas. Incompreensível é que neste Concurso se possa pensar em apoios sustentados (?) de 60.000 ou mesmo 120.000 euros anuais (quiçá mesmo os 180.000 sejam demasiado baixos). Para o cumprimento de tal desígnio, pelo menos nas artes performativas, chega a ser caricato: 60.000? Mesmo 120.000?
c) É bom que se tenha encontrado um mecanismo que tende a pôr fim a uma “aldrabice” dupla: estimulava-se (objectivamente) a que eu pedisse base X com um programa Y porque sabia que ia ter uma % desse X e, logo, o programa apresentado passava a ser um Y-, quando não um Z qualquer; e ao mesmo tempo a Administração Pública mentia ao anunciar esse valor X, sabendo da impossibilidade de atingir 100% e, portanto, ir fazer um apoio menor apenas de % de X e não do X anunciado. O mecanismo encontrado de patamares que são o que são e obrigam ao programa apresentado é muito bom, desde que haja (e haverá, certamente) uma flexibilidade mínima de ajustes no tereno no decurso do tempo com imprevistos, mesmo imprevistos, que surjam.
d) Parece bom que se anuncie um mínimo de candidaturas elegíveis obrigatórias em âmbito territorial. É duvidoso o critério do NUTS II para tal e tal como se apresenta é manifestamente insuficiente. Admito (seria dogmático e de visão estreita não o aceitar) que não se opte por um número fixo a montante ou sequer igualitário com base em apenas critérios territoriais. Mas já é justo requerer um intervalo ponderado entre um número mínimo e um número máximo por região, tendencialmente equânime na perspectiva da coesão territorial, mesmo deixando uma % de fora para uso discricionário, não arbitrário, mas corrector de factores múltiplos. Como está, é, aqui desculpem a contundência, mero fogo-de-vista.
e) É positivo que haja índices de variabilidade entre os ditos patamares em função de terem ou não Instalações Próprias, de Criação, de Apresentação, num item; noutro um número mínimo de trabalhadores com contrato regular (a termo ou não). Sendo o 1 um absurdo para uma “estrutura” (se calhar até o 2), o que aqui se quer agora ressaltar, para lá do que dissemos antes nas alíneas a) e b), é que, havendo quadrienais e bienais, não haja uma separação para distinguir quem tem condições para quadrienais ou fica apenas com a possibilidade de se candidatar a bienal, verbas à parte. Assim como é inaceitável, com dinheiros públicos, não haver uma definição mínima de criações e de representações anuais e mesmo médias de público ponderadas com vários factores que se queiram introduzir. A sustentabilidade, para o público, também deve ser considerada.
Por fim, digo que é de aplauso justo que, com alguma antecedência, se tenham apresentado nas linhas gerais o que são as bases do Regulamento. Porém mais assisado seria se se distendesse um pouco no tempo um prazo para colher opiniões (como esta, mas oficialmente enviadas para os Serviços em, por exemplo, 30 corridos, mesmo que em sistema de contenção de caracteres), antes de abrir o Concurso e, assim, fazer uma revisão do próprio Regulamento antes de o finalizar, no que parecesse adequado.
Ainda que só em Julho abrisse o Concurso – se calhar terá de ser até por causa da aprovação final do Orçamento – com naturalidade se podem corrigir e clarificar ainda algumas coisas. Julgo que, mesmo assim, em Outubro poderiam estar os resultados finais promulgados. Sobretudo se os formulários para preencher e para analisar fossem bem mais agilizados do que o costume, tanto mais que, neste caso, já houve um crivo (e deve haver) para distinguir quem pode ou não pode candidatar-se a estes apoios.