A curcuma merece toda a fama que tem?
A curcuma é um pigmento presente no açafrão da Índia, mas cujo efeito na saúde depende muito da capacidade de ser absorvido, algo que não acontece quando ingerimos esta especiaria de forma isolada ou em qualquer preparação culinária.
Curcuma. Já ouviu certamente falar dos seus efeitos milagrosos numa série de patologias e da sua inclusão em “shots imunidade”, “golden milk” e outras preparações que podem servir como autênticas “bandeiras vermelhas” para quem as recomenda, até porque como já vamos ver, o seu consumo desta forma “simples”, não terá efeito nenhum na nossa saúde.
A curcuma é um pigmento presente no açafrão da Índia, mas cujo efeito na saúde depende muito da capacidade de ser absorvido, algo que não acontece quando ingerimos esta especiaria de forma isolada ou em qualquer preparação culinária. A absorção da curcuma é muito baixa sendo rapidamente metabolizada e eliminada. Uma das formas de melhorar esta limitação é a sua associação à piperina, o maior componente activo da pimenta preta, que potencia até 2000% a sua absorção, ou outras fórmulas patenteadas onde a curcuma está presente em lipossomas, fosfolípidos ou nanopartículas. Partindo do pressuposto que a curcuma ingerida, consegue ser absorvida, vamos então aos seus efeitos na saúde.
Apesar de um dos efeitos que nos vem imediatamente à cabeça quando pensamos na curcuma é o da diminuição da inflamação, é interessante constatar que tal não parece acontecer, pelo menos no que à diminuição dos marcadores inflamatórios diz respeito. Um trabalho de revisão de 2019 que englobou 19 artigos (nem todos com associação de curcuma a piperina ou outras formas mais biodisponíveis), verificou que a suplementação de curcuma entre 4 a 16 semanas não foi particularmente eficaz na redução da proteína C reactiva, IL-1β, IL-6, TNF-α, que é o mesmo que dizer que o seu papel na diminuição da inflamação pode não ser tão grande como o esperado, sobretudo quando não se tem cuidado com a sua frágil biodisponibilidade.
O efeito no peso e no perímetro da cintura é igualmente muito pouco relevante. Apenas com uma suplementação acima de 1000mg/dia (associada a piperina) e durante 8 semanas se conseguiu verificar uma perda média de 1kg de peso e sem grande efeito no perímetro da cintura. Estes valores para além de poderem ser largamente ultrapassados por mudanças na alimentação e no treino e de forma mais rápida, só acontecem mesmo em contexto de investigação científica. Na “vida real”, alguém que esteja a tomar um suplemento (caro) que lhe promete perder peso e não veja resultados significativos ao fim de 2-3 semanas, nem sequer espera pelas 8, abandona antes a toma do suplemento.
Na doença de Alzheimer, poderia existir também um efeito positivo da curcuma dado o seu carácter anti-inflamatório, antioxidante e neuroprotector e na inibição da agregação das proteínas beta-amiloides no cérebro. Existem poucos estudos em humanos e com diferentes protocolos de administração. Os poucos que tiveram efeitos positivos na atenuação do declínio cognitivo, memória e atenção, usaram doses entre 180 a 1500mg de curcumina em formulações com elevada biodisponibilidade (Biocurcumax®, Longvida®, Theracurcumin®) sempre com durações elevadas (12 a 18 meses).
Parece também existir um efeito positivo desta suplementação na ansiedade e sintomatologia depressiva, tendo sempre em conta que estamos a falar de trabalhos com amostras curtas (14-126 pessoas), durante 4 a 12 semanas e com 150-1000mg de curcuma em formulações com elevada biodisponibilidade.
Na diabetes, a curcuma pode apresentar um efeito benéfico, mas moderado na redução da glicemia em jejum, hemoglobina glicada e em alguns trabalhos também no colesterol total e LDL (o “mau”) e nos triglicerídeos. Mais uma vez grande parte dos trabalhos que observou estes efeitos suplementou com 500-1000mg de curcumina + 5-10mg piperina ou então com formulações de 80mg de nano-curcumina.
Quanto ao cancro, apesar de existir no plano teórico uma série de vias metabólicas que poderiam ser impactadas positivamente pela curcuma no seu tratamento, a evidência é ainda muito reduzida para retirar qualquer conclusão. O máximo que se pode dizer é que se trata de um suplemento com potencial e que é melhor esperar uns anos para ver o que os resultados das investigações que estão a decorrer nos reservam.
Uma boa súmula sobre a área cinzenta onde a curcuma ainda se encontra é bem descrita num artigo de 2020 do Jornal Europeu de Medicina Integrativa (que pelo nome já se percebe que teria todo o interesse em dizer bem desta substância) e assinado por autores que nos “conflitos de interesses” referem a sua ligação a uma empresa de suplementos (sendo a curcuma um deles). Neste artigo a conclusão é a seguinte: “Existe evidência de qualidade moderada para a utilização da curcuma no alívio da dor e melhoria da função na osteoartrite. Existe evidência de baixa qualidade para a sua utilização na síndrome metabólica, condições inflamatórias e outras patologias”.
Os suplementos de curcuma (sobretudo os com melhor biodisponibilidade) não são propriamente baratos, os efeitos são modestos (mesmo quando se suplementam durante muito tempo), e largamente ultrapassados quer por mudanças no estilo de vida (começar a treinar ou treinar mais, comer melhor e emagrecer, deixar de fumar ou fumar menos, etc.) quer por fármacos bastante mais baratos (antidiabéticos orais, anti-hipertensores e estatinas), sempre que logicamente for necessário e prescrito por um médico. O que acontece no mundo cada vez mais distópico que vivemos, é que muitas vezes são estes fármacos e quem os promove que são considerados o bicho papão, e os outros suplementos mais caros, com efeito mais lento mas melhor marketing, são endeusados.
Por isso, não há problema nenhum em suplementar com curcuma em formulações com elevada biodisponibilidade, tendo sempre em mente que esta será no limite a cereja no topo de um bolo de um estilo de vida saudável onde não se descura o essencial em prol do acessório.