Preocupações de um professor em formação

Há muito tempo que a profissão deixou de ser atractiva, não só pelos salários não reconhecerem dignamente a sua importância, mas também porque o estatuto e o respeito que outrora nutríamos pela figura do professor ter-se vindo a esfumar lentamente

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Diego Nery

Não temos grandes dúvidas que um dos principais esteios das sociedades contemporâneas é o seu sistema educativo, na medida em que a educação é o motor do progresso técnico, científico, filosófico, social e político. De facto, ao dia de hoje, é impossível imaginar em que estado estaríamos sem a possibilidade de oferecer às crianças e jovens um sistema de educação formal, mas ainda assim, estranhamente, em épocas de maior desinvestimento público, é a escola uma das primeiras vítimas, o que se traduz num pior sistema de ensino. Ora, estando eu num processo de formação inicial de professores, é normal que pense e me debata com estas questões e tenha os meus receios, não só porque é aqui que observo o meu futuro a curto e médio prazo, bem como o futuro de toda uma geração, cuja educação e cultura é colocada nas mãos dos professores. É uma responsabilidade enorme que os professores assumem sem obter o crédito justo por tão importante tarefa.

É indubitável que a escola, consequência do desinvestimento de que falámos, tem passado por muitos problemas, sendo um deles (e quiçá o mais gravoso) a falta de professores, que segundo as estimativas, afectará milhares de alunos no próximo ano, existindo uma tendência a agravar-se e a atingir cada vez mais estudantes. Há muito tempo que a profissão deixou de ser atractiva, não só pelos salários não reconhecerem dignamente a sua importância, mas também porque o estatuto e o respeito que outrora nutríamos pela figura do professor ter-se vindo a esfumar lentamente. Ninguém gosta de não se sentir apreciado e respeitado na comunidade em que se insere, menos ainda quando tanto se estudou e investiu (dinheiro e tempo) para prestar um verdadeiro serviço à nação e ver todo esse esforço esquecido e desprezado.

Como professor em formação, preocupo-me com todas estas problemáticas e debato-me com estes assuntos, tanto de forma interna como com colegas que partilham os mesmos receios e futuro. Pensamos na possibilidade de exercer a profissão de forma deslocada e não ter apoios para residência e deslocações; pensamos no nível salarial cada vez mais baixo, na própria precariedade da profissão e na falta de progressão nas carreiras; pensamos na burocracia que nos retira tempo para ser efectivamente professores e não burocratas ou tecnólogos do ensino; pensamos nos casos de indisciplina cada vez mais prementes e mesmo na violência física, psicológica e institucional que é exercida sobre muitos; pensamos nas constantes mudanças que são feitas por ministros que querem mostrar serviço e apenas complicam o sistema, mudanças que aos olhos comuns não são percebidas, mas que não servem para melhorar o ensino; pensamos no horizonte digital que se aproxima e para o qual não estamos ainda preparados e duvidamos que essa preparação nos seja dada de forma atempada; pensamos em tudo isto e tememos o negrume do nosso futuro e do futuro das gerações vindouras.

No entanto, nunca é tarde para se mudar o que está mal ou aperfeiçoar o que pode ser melhorado; não podemos considerar que seja cedo para promover reestruturações no sistema de ensino. É cada vez mais uma necessidade de primeira ordem a valorização do trabalho dos professores, não só para reactivar aqueles que, descontentes com o tratamento recebido, abandonaram a profissão, mas também para captar os mais jovens e assim renovar os quadros de uma classe profundamente envelhecida. Não existem panaceias capazes de resolver todos estes problemas, mas há medidas concretas que podem ajudar a esta tarefa: valorização salarial, remuneração de estágios, mais facilidade em fixar professores, reduzir burocracias (que é um factor pouco falado, mas que desgasta muito os professores).

Tudo isto no seu conjunto poderia contribuir para solucionar parte dos problemas da educação (outro é a falta de meios físicos e materiais), não só porque os professores sentiriam que há um esforço de parte a parte para melhorar o sistema educativo e a educação em geral, vendo reconhecida a sua importância, vendo restabelecida a sua dignidade no seio de uma sociedade que exige muito dos professores, mas que pouco valor lhes dá.

Oxalá haja mudanças em breve, pelo bem dos professores e dos alunos, das escolas e de todo o sistema de ensino, de Portugal e do futuro.

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