Joana, Anna e Salomé são três millennials que querem fazer a diferença no mundo da moda

Movidas por questões éticas e ambientais, Joana Campos Silva, Anna Masiello e Salomé Areias lutam por uma mudança de comportamentos no mundo da moda. A propósito do Dia da Terra, que se assinala a 22 de Abril, o P3 foi conhecê-las.

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Da esquerda para a direita: Joana Campos Silva, Anna Masiello e Salomé Areias

Para defender a economia circular, o ambiente e a sociedade, há quem mude os hábitos de consumo. É o caso de Joana Campos Silva, Anna Masiello e da Salomé Areias, três millennials que, com os seus projectos profissionais, tentam fazer a diferença no mundo da moda, combatendo os efeitos perniciosos da fast fashion.

As grandes marcas de moda rápida disponibilizam regularmente novas colecções a preços acessíveis, o que é sedutor para quem compra, mas a produção destas peças é altamente poluente. Segundo o World Economic Forum, a indústria têxtil “representa 10% das emissões de carbono da humanidade”. Para além de ser responsável por 20% da poluição da água potável, mostra o Parlamento Europeu, emite mais gases com efeito de estufa “do que os voos internacionais e o transporte marítimo em conjunto”. E existe também uma grande quantidade de vestuário que é “fabricado e deitado fora”, sublinha a mesma fonte.

A preocupação pela pegada ecológica da moda surgiu na vida de Joana Campos Silva quando fez o rebranding de uma marca, que era sustentável, mas não o comunicava. Foi ao perceber os processos diferenciados que esta empresa adoptava na produção, e o respectivo impacto positivo na sociedade, que despertou para uma nova realidade que, a princípio, até foi difícil de entender, confessa a consultora de 35 anos, que em 2015 criou o Fashion Makers, um estúdio criativo onde apoia marcas de moda, tornando-as “mais humanas e responsáveis”, refere no site.

“De que forma é que posso criar vida e tornar este pedaço de Terra mais saudável?” é uma das questões em que mais pensa, diz a empreendedora, que revela sentir alguma ecoansiedade em relação ao futuro do planeta.

Também a activista Anna Masiello, que o P3 já acompanhou numa noite de dumpster diving em que resgatou bens alimentares do lixo, pensa desta forma. Nasceu em 1993, em Itália, e sempre teve muito interesse pelo ambiente. Por influência do pai, que é guarda-florestal, cresceu na natureza e, através da mãe, assistente social, aprendeu certos valores que hoje, diz, pautam o seu comportamento e fazem de si “uma pessoa justa e consciente”.

Em 2017, fez o mestrado em Estudos do Ambiente e da Sustentabilidade, no Iscte — Instituto Universitário de Lisboa. Ao P3, expõe aquele que foi o mote para o seu caminho rumo à sustentabilidade: “No curso entendi, realmente, o que é que estava a acontecer no mundo. Compreendi o impacto das alterações climáticas, dos gases com efeito de estufa, e percebi que nós temos de fazer a diferença e contribuir para um futuro melhor.”

Assim, no mesmo ano, e influenciada por um vídeo que viu no YouTube, mudou o seu estilo de vida e aderiu ao movimento Zero Waste, caracterizado pelo combate ao desperdício e pela “conservação de todos recursos”. “Foi fundamental para mudar a minha vida”, confessa.

Mentora do movimento Fashion Revolution em Portugal — que, através de campanhas e actividades, luta pela sustentabilidade no mundo da moda — também Salomé Areias, de 37 anos, se questiona, com frequência, sobre as tendências de consumo, que é como quem diz o “que é que faz as pessoas cederem à pressão de pares e quererem a novidade”, explica.

Em 2010, na entrada para o mercado de trabalho, depois de estudar Design e Sociologia de Moda, deu-se conta que os ciclos de compra nesta indústria eram muito mais rápidos, em comparação com os outros sectores. Mas “não eram naturalmente mais rápidos”, mas sim provocados pelas campanhas de marketing que, suportadas por um grande investimento por parte das marcas de fast fashion, induzem os clientes a consumir mais e, por sua vez, com rapidez.

Veio a revolta, uma vontade de “perceber como é que funcionava a cabeça do consumidor e como é que a indústria se aproveitava disso”. Começou assim a estudar a tendência da sustentabilidade e, depois de compreender como é que as pessoas reflectiam sobre o futuro e o clima, mudou o seu comportamento pessoal. Foi assim que, em 2014, criou o Fashion Revolution Portugal, um braço do movimento global, nascido no Reino Unido, após a catástrofe do Rana Plaza, no Bangladesh, que matou mais de mil pessoas e se tornou um símbolo da exploração da indústria têxtil.

“É realmente diferenciador por se tratar de um movimento que dá poder ao consumidor. Oferece-lhe ferramentas, formação e sensibilização para ele pressionar as marcas a mostrar mais transparência na sua cadeia de abastecimento”, explica Salomé. “A acção de todos tem uma consequência” e pode impactar a história do outro, alerta o movimento, que até 24 de Abril está a promover a Fashion Revolution Week com diversos eventos no Porto e em Lisboa (o programa, que pode ser consultado aqui, inclui talks, mercados de troca, workshops e palestras).

Obrigatório: ler a etiqueta e cuidar das peças

Em 1972, na Conferência de Estocolmo, debateu-se, pela primeira vez, o conceito de desenvolvimento sustentável. Cinquenta anos depois, a Organização das Nações Unidas partilhou uma agenda mundial com 17 objectivos para serem cumpridos até 2030. Que reflexão tiramos daqui? Que a mudança, apesar de urgente, é demorada, e exige muita consciência.

Porém, as redes sociais, como o Instagram, podem ajudar a mudar mentalidades. Foi o que fez Anna Masiello. Apesar de nunca se ter considerado uma pessoa muito ligada às tecnologias, criou uma conta para partilhar, com os familiares e amigos, os passos sustentáveis que estava a dar. Seguindo o conceito americano de sharing is caring (“partilhar é interessar-se”, em tradução livre), a ideia era fazê-los perceber que qualquer pessoa pode ajudar o ambiente — hoje, o seu perfil, @​hero_to_0, conta com mais de 25 mil seguidores e o seu estilo de vida materializa-se, de certo modo, na R-Coat, a marca de casacos impermeáveis que produz a partir de guarda-chuvas partidos. Um exemplo do mundo de possibilidades da economia circular.

​Para reduzir o impacto da indústria têxtil no ambiente, a União Europeia propõe precisamente a transição para a economia circular. Votado em Fevereiro de 2021 pelo Parlamento Europeu, o plano de acção engloba uma série de medidas que têm em vista o alcance, até 2050, de “uma economia neutra em termos de carbono, sustentável, livre de substâncias tóxicas e totalmente circular”. Mas como é que, na nossa vida diária, podemos praticar uma economia circular no mundo da moda? Anna deixa uma dica: “Ler sempre a etiqueta e saber cuidar das peças, para evitar que a nossa roupa tenha um ciclo de vida mais curto​”.

A verdade é que lavar a roupa à temperatura indicada e saber se podemos ou não passá-la a ferro são exemplos simples de como prolongar a vida ao nosso vestuário. Pensar no material das peças que compramos é outro conselho, que, por incrível que pareça, tem um grande impacto no ambiente. “Quando lavamos peças em poliéster, elas libertam microplásticos que, de tão pequeninos, terminam no oceano e ali ficam para sempre”, explica a activista italiana. Mas quando falamos de roupa natural de algodão, tal já não acontece – também são libertadas microfibras, mas são naturais. Por isso, quando chegam ao oceano, degradam-se.

No entanto, embora o algodão seja um material natural, se não for biológico, precisa de muita água e muitos pesticidas para crescer; uma opção ainda mais sustentável são os materiais naturais reciclados. Convém ainda ter em conta que “a fibra sintética mais utilizada no nosso vestuário” é o poliéster, que “contribui para o aumento das emissões de CO2 logo na fase da extracção do petróleo”. Dados do Parlamento Europeu indicam que “para fabricar uma única t-shirt de algodão, estima-se que sejam necessários 2700 litros de água doce – a quantidade média de água que uma pessoa bebe em dois anos e meio”.

A mudança “tem de nascer dentro de nós”

Em 2021, de acordo com a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, Portugal subiu duas posições, em comparação com o ano anterior, no ranking europeu da sustentabilidade, ocupando agora o 20.º lugar, num total de 34 países em avaliação. Já no Índice de Desenvolvimento Sustentável (IDS), cujos últimos dados datam de 2019, com 166 países em análise, Portugal desceu três lugares, passando agora para a 71.ª posição.

No mesmo ano foi aprovado por cá o Plano de Acção para a Bioeconomia Sustentável, que tem como propósito sensibilizar a população para as questões da sustentabilidade ambiental, através de uma produção consciente e com recurso a produtos e materiais biológicos. A Agência Portuguesa do Ambiente explica que o plano surge para “acelerar a transição da economia portuguesa para um modelo de bioeconomia sustentável e circular”.

Salomé Areias enfatiza, porém, que a alteração dos comportamentos de consumo “tem de nascer dentro de nós de forma muito natural”, não devendo, portanto, ser algo doutrinado, para que o consumidor deseje, efectivamente, a mudança — e não se sinta obrigado a tal. “É muito importante que haja uma transformação interna e que essa mudança seja prazerosa e não forçada”, conclui. “Tem de se respeitar os tempos de cada pessoa, para que isto seja sólido e perdure.”

Mas essa revolução interior não se manifesta apenas no consumo – e o Fashion Revolution explica, precisamente, isso. O consumidor, segundo esclarece Salomé, tem vários campos de acção e “o seu impacto passa também pela pressão política”. Votar, protestar, pressionar as marcas e sensibilizar os círculos sociais são só alguns dos exemplos.

Texto editado por Amanda Ribeiro

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