Não há dependências boas

Com a invasão da Ucrânia ficámos globalmente conscientes da dependência europeia dos combustíveis fósseis do Leste e da importância dos gasodutos do Nord Stream, cruciais no aquecimento dos países da Europa Central.

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Nordstream 2 Reuters/HANNIBAL HANSCHKE

Escrevia há sensivelmente um ano que a pandemia seria o maior desafio da minha geração. Como em qualquer boa previsão, falhei, e com uma guerra à porta de casa talvez o maior desafio da minha geração esteja ainda por cumprir. Também aqui espero falhar. Em comparação com os dois primeiros anos de pandemia, o futuro é hoje mais incerto. Muito rapidamente estaremos no centro de uma tempestade criada pelas crises climática, energética, social e humanitária. Múltiplas dimensões de um mesmo problema, cuja solução é altamente não linear. O amanhã dependerá do modo como respondermos a cada uma destas múltiplas dimensões.

Com a invasão da Ucrânia ficámos globalmente conscientes da dependência europeia dos combustíveis fósseis do Leste e da importância dos gasodutos do Nord Stream, cruciais no aquecimento dos países da Europa Central. A União Europeia foi rápida a aplicar sanções económicas duras à Federação Russa, mas ainda assim limitadas por esta dependência. Em simultâneo tem sido discutido um conjunto de acções para mitigar esta limitação que, apesar das boas intenções, nos pode levar a uma situação de dependência semelhante. Se neste momento a prioridade deve ser a paragem do conflito, a protecção das vítimas e dos refugiados, a resposta sustentável à crise climática não deve ficar hipotecada.

Após anos de luta pelo encerramento das centrais a carvão nos principais países da união se concretizasse, Portugal inclusive, a actual crise energética leva-nos a ponderar a sua reabertura. É mau sinal para quem tem um tempo tão limitado para reduzir efectivamente a quantidade de emissões de dióxido de carbono e por objectivo manter o aumento da temperatura abaixo dos 1,5ºC em 2030. A queima de carvão é um caminho que nos afasta destes desejos.

A alternativa a médio prazo parece ser o investimento em infra-estrutura de grande escala para a produção de energia através de fontes renováveis, nomeadamente solar e eólica. Se a construção e ligação à rede ainda levarão alguns anos, esta alternativa pode efectivamente impactar positivamente a evolução da crise climática. Por outro lado, se não devidamente acautelada, a situação de dependência do gás russo poderá ser substituída por outra semelhante.

Não há equipamentos para a produção de energia limpa sem extracção de recursos minerais. Os minerais críticos e os elementos de terra raros, como o cobre, o níquel, o cobalto, o lítio, entre outros, são parte integrante dos componentes que constituem estas tecnologias e estão também presentes nas baterias necessárias para o armazenamento desta energia quando a rede não a consome.

Se a estratégia energética da União Europeia passar por esta solução, então será obrigatório continuar o investimento na re-activação de explorações mineiras encerradas nas últimas décadas e em novos projectos mineiros que permitam minimizar a dependência de países estrangeiros onde as condições de trabalho, as preocupações ambientais e os direitos humanos não são acautelados. Actualmente é a China que lidera quer na quantidade de reservas quer na produção de minerais críticos e elementos de terras raras. Acredita-se que Federação Russa se encontre na quarta posição a nível mundial na quantidade de reservas deste tipo de recursos.

Substituir a dependência do gás russo pela dependência em matérias-primas minerais poderá não ser uma solução de futuro sustentável. Um exemplo: a evolução do preço do níquel nos mercados internacionais desde o início do conflito e da imposição das sanções. A Federação Russa está no top 3 na produção mundial desta matéria-prima e, brevemente, a sua disponibilidade nas cadeias de fornecimento irá ficar reduzida. O caminho da não dependência é difícil, mas só será concretizado se os líderes dos diferentes governos forem capazes de transmitir às populações locais a necessidade de desenvolvimento de novos projectos mineiros que permitam a auto-suficiência. É necessário afastar fantasmas do passado e assumir que a indústria extractiva é central para uma transição energética bem-sucedida.

Para nota final, há ainda a possibilidade de uma terceira via. Apostar numa matriz energética em que parte da produção de energia seja gerada através do recurso a centrais nucleares de nova geração, mais seguras e com menor produção de resíduos. Um cenário que demorará tempo, mas com potenciais impactos positivos quer na diminuição das emissões quer na menor dependência a países pouco recomendáveis.

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