Polícia Federal descarta interferência de Bolsonaro e encerra inquérito motivado por Moro

Investigação também descartou possível denunciação caluniosa de ex-ministro da Justiça ao acusar Presidente brasileiro.

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Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil ADRIANO MACHADO/Reuters

Dois anos após o pedido de demissão e as acusações de Sergio Moro, a Polícia Federal (PF) encerrou o inquérito e concluiu não haver indícios de que o Presidente Jair Bolsonaro interferiu para proteger aliados e familiares ao trocar o comando do órgão.

Os investigadores também descartaram uma possível denunciação caluniosa do ex-ministro da Justiça por acusar o Presidente de interferência na PF e iniciar uma das principais crises do Governo Bolsonaro.

No relatório, a PF afirma que em dois anos de apuração “nenhuma prova consistente” da interferência de Bolsonaro foi encontrada e que todas “as testemunhas ouvidas foram assertivas em dizer que não receberam orientação ou qualquer pedido, mesmo que velado, para interferir ou influenciar investigações”.

Nas redes sociais, Moro disse na noite desta quarta-feira que “a Polícia Federal produziu um documento de 150 páginas para dizer que não houve interferência do presidente na PF”, mas “certamente, as quatro trocas de directores da PF falam mais alto do que as 150 páginas desse documento”.

Uma das provas apresentadas por Moro à época, e citadas no relatório, são as mensagens enviadas pelo Presidente em que ele fala da intenção de tirar Maurício Valeixo da direcção do órgão e indicar Alexandre Ramagem, actual director da Agência Brasileira de Inteligência e amigo da família presidencial.

A 22 de Abril de 2020, Bolsonaro diz ao então ministro da Justiça: “Moro, o Valeixo (então director da PF) sai essa semana”. “Isto está decidido”, “você pode dizer apenas a forma”, “a pedido ou ex officio”.

Em resposta, Sergio Moro diz: “Presidente, sobre esse assunto precisamos conversar pessoalmente, estou ah [sic] disposição para tanto”.

No mesmo dia, o Presidente manda a Moro um link de texto do site O Antagonista, com o título: “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas”. Moro responde: “Isso eh fofoca. Tem um Dpf [Delegado de Polícia Federal] actuando por requisição no inquérito da fake news e que foi requisitado pelo Min Alexandre [de Moraes]”.

Bolsonaro, no dia seguinte, encaminha o mesmo link da reportagem e diz: “Mais um motivo para a troca”.

Segundo relatório do delegado Leopoldo Soares Lacerda, Bolsonaro não cometeu um acto contrário à lei ao pedir a troca do director-geral da corporação a Moro porque cabe ao Presidente escolher a equipa ministerial e também os chefes vinculados aos ministérios.

“Constam nos autos informações de que a relação entre o Presidente da República e o delegado de polícia federal Ramagem, nomeado como dirigente máximo da PF, iniciou-se no final da campanha presidencial por razões profissionais e assim foi mantida”, disse o delegado.

Ele também não encontrou sinais de que o presidente actuou com o objectivo de interferir em investigações de seu interesse ou de seus filhos e aliados políticos.

De acordo com Soares, nos casos que envolviam o senador Flávio Bolsonaro, a facada que Bolsonaro sofreu em 2018 e no inquérito das fake news não foram identificadas ingerências políticas no andamento das investigações.

Um dos casos analisados foi o suposto vazamento da operação Furna da Onça, que continha em seus autos o relatório do Coaf (Conselho de Controle de Actividades Financeiras) sobre as transacções suspeitas de Fabrício de Queiroz, ex-assessor de Flávio e amigo pessoal da família Bolsonaro.

A investigação teve alguns percalços, como a substituição do delegado responsável e apreciação pelo STF do pedido da PF para ouvir Bolsonaro.

Após a abertura do caso e tomada de alguns depoimentos, os investigadores pediram para ouvir o Presidente, que se negou a prestar os esclarecimentos de forma presencial.

O caso foi parar no plenário do STF, que em Outubro de 2020 iniciou o julgamento. O então relator do caso, o agora ex-ministro Celso de Mello, afirmou na ocasião que não seria não admissível a concessão de “privilégios” e “tratamento selectivo” e defendeu que o Presidente depusesse presencialmente à polícia.

Moraes, que substituiu Celso de Mello, negou o pedido do Presidente para não depor. Um ano após o início do julgamento, em Novembro de 2021, Bolsonaro pediu para ser ouvido presencialmente. No depoimento, negou ter interferido no órgão.

“Nunca teve como intenção, com a alteração da direcção-geral [da PF], obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção directamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal”, afirmou o Presidente, segundo transcrição da PF.

Ele ainda disse que Moro teria concordado com a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da PF desde que isso ocorresse após sua indicação para vaga de ministro do STF.

Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo

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