Pensar uma escola diferente: dez tópicos para reflexão

Muitas vezes confundimos foco com sacrifício. Tenho a ideia de que o pensamento neoliberal do “trabalhar muito” é a desvalorização do próprio trabalho, que, por exemplo, não apreende que o bom trabalho pode ser feito em menos tempo do que o “muito trabalho”.

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Rui Gaudencio

1. Uma escola diferente precisa de se centrar, e assentar, acima de tudo, numa base que contemple a inteligência emocional: conhecermo-nos primeiro, para depois conhecer o outro. Não importa apreender informação avulsa se nem sequer nos debruçamos sobre nós, a nossa individualidade, nós com os outros, como reagimos perante os estímulos ou o mundo exterior. Trabalhar na prevenção, não no rescaldo das consequências.

2. Uma escola diferente precisa promover e respeitar a diferença: tolerância, aceitação, respeito pelo distinto. Reconhecer que todos são, à sua maneira, acrescentos, fazendo com que cada um se possa encaixar no grande quadro da humanidade. Todos são precisos, todos, já que cá estão, são essenciais. Como defende José Mujica, antigo presidente do Uruguai, “para se ser essencial, basta nascer”.

3. Autonomia: as crianças não são tábuas rasas, nem podem ser tratadas como dados adquiridos. Dar-lhes a possibilidade da autodeterminação, da vontade e da escolha é ajudá-las a trilhar um caminho que se quer integral. As crianças são excelentes mentes críticas: é preciso escutá-las.

4. Desenvolvimento do espírito crítico: fomentar a leitura, não por imposição, mas por escolha, a partir dos interesses de cada um. A imposição afasta leitores e potenciais pensadores críticos.

5. Cooperação e entreajuda: todos, juntos, podemos mais do que cada um por si, sendo que a cadeia do mundo está interligada por diferentes elos. A paz é mais importante do que a competição, e muito mais fulcral do que competição tóxica. As palavras de Montessori continuam actuais: se educarmos para a paz, teremos paz; se educarmos para a competição, teremos, inevitavelmente, guerra.

6. Respeitar os tempos de aprendizagem: cada criança tem os seus interesses e as suas características. Não há melhores nem piores: há circunstâncias. É preciso perceber a circunstância de cada uma delas, porque a democracia precisa de equidade, mais do que igualdade (que não é propriamente um bem só por si, quando damos o mesmo a todos, sendo esses todos tão diferentes).

7 . Back to basics: aprender a ler, aprender a escrever, promover o cálculo mental e as diferentes formas de contas. Todo o restante é facultativo. Trabalhar por projectos, deixar que sejam os alunos a apresentar trabalho. Esquecer programas, testes e exames: tudo é válido, desde que acrescente e seja positivo; saber a história da África do Sul, a título de exemplo, não pode valer menos do que saber a história dos Estados Unidos. O poder da sugestão, do bom trabalho em detrimento do “muito trabalho” (só porque sim). Trabalhar pela sugestão, pela escolha. Envolver todos, em comunidades de aprendizagem.

8. Fomento da imaginação, da criatividade e da curiosidade: o futuro está por fazer, por inventar. Não pode haver essa ideia estanque de que estamos a estudar para ter um futuro melhor, replicando ideias gastas e modelos que não funcionam para todos. Não era à toa que Einstein falava no poder da imaginação.

9. Promover a sinceridade e a honestidade: mais do que qualificação, isto dito e escrito por uma pessoa que acredita que toda a gente que acrescenta é qualificada, precisamos de honestidade.

10. O papel do professor: o professor não pode limitar o seu papel a despejar informação e a avaliar pessoas tendo por base testes/exames, seguindo um programa. Isso será sempre truncado. O professor é um guia, um sugestionador, uma pessoa que pode inspirar. O professor dá asas, não as corta nem tolhe. O professor olha para as crianças como suas semelhantes, não como alguém abaixo, na escala evolutiva (só porque já por ali passou). A lucidez de um professor depende da forma como perceber a ideia de que a aprendizagem é mútua e transversal. Sem imposições. O professor precisa saber que o trabalho da escola é na escola, e o tempo de casa é o tempo da família: a educação faz-se na escola, em casa e na rua, em todo o lado. Pela sua especificidade, o professor é um elemento determinante na vida de uma criança, para o bem e para o mal, logo, é necessário estar-se ciente de que as suas palavras têm peso. E importam. Professor e alunos são duas faces da mesma moeda. Dar e receber.

Adenda: uma coisa que não escrevi mais acima, mas que está subentendida nos tempos de aprendizagem de cada um, é o relógio biológico. Há crianças que não funcionam bem de manhã, para determinados afazeres, e há outras que funcionam melhor de manhã. Não é certo rotulá-las de preguiçosas, até porque isso é só uma característica. Acho que ainda não respeitamos estes tempos, e muitas vezes confundimos foco com sacrifício. Tenho a ideia de que o pensamento neoliberal do “trabalhar muito” é a desvalorização do próprio trabalho, que, por exemplo, não apreende que o bom trabalho pode ser feito em menos tempo do que o “muito trabalho”. Nem tudo depende do nosso esforço, levamo-nos demasiado a sério, pensando que controlamos todas as componentes, mas a nossa vida é como uma viagem de carro.

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