A pensar nos ucranianos, médicos norte-americanos fizeram tutoriais no YouTube sobre como estancar o sangue

Nelya Melnitchouk e Eric Goralnick são dois médicos norte-americanos de origem ucraniana que decidiram fazer vídeos para ajudar à distância.

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Nelya Melnitchouk, uma cirurgiã oncológica nascida na Ucrânia, teve a ideia de ajudar de longe os que estão feridos no terreno DR

Enquanto se ouve heavy metal ao fundo, um médico pega num pedaço de pano e coloca-o em cima de uma ferida aberta num manequim médico. Pressionando o pano com as duas mãos, aplica pressão. De seguida, prende um torniquete na perna do manequim. O vídeo tem menos de 40 segundos, mas os seus criadores acreditam que pode ajudar a salvar vidas na Ucrânia.

“Uma quantidade significativa de mortes pode ser evitada com essas medidas, segundo os dados que conhecemos do campo de batalha”, declara Eric Goralnick, médico do serviço de urgência do Brigham and Women's Hospital, em Boston. É este profissional que dá a cara neste curto tutorial que fornece uma série de informação escrita em ucraniano.

Outro vídeo, com pouco mais de quatro minutos de duração, apresenta um passo a passo mais detalhado, narrado em ucraniano por Nelya Melnitchouk, uma cirurgiã oncológica nascida na Ucrânia, que trabalha no mesmo hospital. “Muitos civis estão a morrer em casa ou nos hospitais”, denuncia. “Não é suposto que tal aconteça.”

O número de civis feridos aumentou com a intensidade dos ataques russos às cidades ucranianas. Segundo as Nações Unidas, na segunda-feira, pelo menos 636 civis foram mortos e 1125 feridos, desde que a Rússia invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de Fevereiro. A ONU acredita que o número real seja “consideravelmente superior”. Afinal, são muitos os testemunhos que o Exército russo dispara contra civis. Um vídeo feito na sexta-feira por um repórter da Associated Press mostra um tanque russo disparando repetidamente contra um prédio de apartamentos em Mariupol. E menos de uma semana antes, vídeos mostravam tropas russas atirando contra civis num subúrbio de Kiev.

De acordo com um balanço feito pelo The Washington Post, pelo menos nove instalações médicas foram atingidas por ataques russos, incluindo um ataque aéreo, na quarta-feira passada, que atingiu uma maternidade de Mariupol, onde 17 pessoas ficaram feridas e pelo menos três foram mortas, segundo as autoridades da cidade. Uma mulher grávida e seu bebé morreram no rescaldo, informou a Associated Press.

Nelya Melnitchouk chegou aos Estados Unidos quando tinha 18 anos e ainda tem família na Ucrânia. Antes do início da guerra, trabalhou com uma organização ucraniana para partilhar informações com médicos e doentes sobre o tratamento do cancro. Quando a guerra começou, os seus colegas ucranianos começaram a ligar-lhe para trocar ideias sobre cuidados com traumas, então a médica pensou em maneiras de os ajudar a partir dos Estados Unidos.

Foi então que entrou em contacto com Eric Goralnick, que estava a trabalhar numa campanha educacional chamada Stop the Bleed, da responsabilidade do Comité de Trauma do American College of Surgeons, que divulga tutoriais sobre como pode qualquer pessoa controlar temporariamente feridas que sangram. Este método foi desenvolvido nos anos 1990, por Frank Butler, um médico da Marinha, que examinou vítimas da Guerra do Vietname, explica Eric Goralnick, filho de pais ucranianos.

Frank Butler descobriu que “havia uma quantidade significativa de mortes evitáveis ​​no campo de batalha, principalmente por sangramento descontrolado”, continua Eric Goralnick, acrescentando que outra investigação encontrou resultados semelhantes nos primeiros dias das guerras no Iraque e no Afeganistão. Assim, o pessoal não médico das Forças Armadas foi treinado para reconhecer quando há um sangramento descontrolado e intervir.

​Eric Goralnick explica que o treino para os civis, que demonstra nos vídeos, tem três etapas. A primeira deve ser chamar equipas de emergência para que a pessoa ferida possa receber ajuda de profissionais médicos. A segunda é a de procurar se há uma ferida que esteja a sangrar demasiado. Se a pessoa está a sangrar muito, o terceiro passo é controlar o sangue aplicando pressão na ferida usando um pano ou fazendo um torniquete até que a ajuda chegue.

Enquanto preparava os tutoriais com o colega de trabalho, houve uma imagem da guerra que Nelya Melnitchouk reteve, a de um vídeo de uma mulher que havia perdido a perna no início do conflito. A médica leu que a mulher morreu e acredita que a sua morte podia ter sido evitada. “Obviamente que pode ter morrido de outra coisa, mas a causa mais provável é que tenha sangrado até a morte.”

Os tutoriais foram, em parte, a forma de Nelya Melnitchouk agir, apesar do seu sentimento de impotência. “Mesmo que seja salva apenas uma vida com este vídeo, já valeu a pena”, afirma. Os vídeos foram publicados no YouTube no passado dia 4. O tutorial mais longo já teve mais de 4000 visualizações, enquanto o mais curto tem mais de 700.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Bárbara Wong

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