Estamos assim tão longe de uma saúde pública sustentável?
O próximo passo é percebermos ao certo qual o impacto que a pandemia teve na sustentabilidade da saúde pública, mas só daqui a uns anos é que conseguiremos saber. De qualquer forma, não se augura nada de bom, ainda que, conceptualmente, estejamos a ir na direcção certa.
Para quem quiser a resposta curta: sim, bem mais longe. A resposta longa segue abaixo.
A saúde pública tem tido muitas faces ao longo dos anos. Inicialmente era vista como a simples aplicação de leis e regulação do comportamento da população. Mais tarde passou a focar-se no tratamento de doenças como a resposta a todos os problemas de saúde. Depois começou a incluir os estilos de vida e o ambiente na equação. Essencialmente, foi-se modernizando. Hoje em dia, o papel desempenhado pela saúde pública na prevenção de doenças é essencial para o bem-estar físico, mental, e social das populações. Isto é particularmente importante tendo em conta a crise de saúde pública global em que vivemos.
Desde o início do milénio, a Organização das Nações Unidas (ONU) e, especialmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) têm feito avanços no sentido de “garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”, assegurando que se salvam vidas tendo em conta a tríade do bem-estar de populações cujo desenvolvimento satisfaz as suas necessidades sem comprometer a satisfação das necessidades de gerações futuras – a base de um dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.
O alinhamento entre saúde pública e desenvolvimento sustentável é claro. Mas como é que podemos analisar, interpretar e comunicar informação relativa à saúde pública sustentável? Tanto quanto sei, de duas formas: uma publicada aqui e outra aqui. Por um lado, no período entre 2016 e 2020 dos ODS, de entre 181 dos 194 Estados-membros da OMS (a falta de dados é uma contrariedade comum quando se quer fazer ciência), apenas 28% mostraram ter um sistema de saúde pública sustentável eficiente de forma consistente. Em geral, houve um aumento na disponibilidade de médicos, mas isto não se reflectiu na melhoria da mortalidade neonatal e infantil nem do tratamento de doenças tropicais negligenciadas. Por outro lado, em média, os Estados-membros afastaram-se das melhores práticas entre 2016 e 2020, tendo o hiato entre Estados-membros com melhores e piores desempenhos crescido. Estes resultados foram mais acentuados em África e no Sudeste Asiático. Já a Europa nunca vacilou e até melhorou a sustentabilidade da sua saúde pública.
É evidente que já existiam assimetrias entre regiões e países, e que vão continuar a existir – ainda mais durante e depois da pandemia –, muito por culpa do contexto socioeconómico de cada um. No entanto, a verdade é que a saúde pública se tem afastado das melhores práticas de desenvolvimento sustentável por vários motivos. Primeiro, mais do que investir mais recursos nos sistemas de saúde, importa fazer-se mais com o que já se tem (fazer o mesmo com menos é o drama do subfinanciamento crónico), isto é, importa ser-se mais eficaz. Segundo, esses investimentos têm que ser mais aplicados a objectivos a longo prazo (esperança média de vida e mortalidade neonatal e infantil) e não só a alvos a curto prazo (nutrição e vacinação). Terceiro, a educação e a cultura assumem um papel fundamental no sentido de estimular cada indivíduo a compreender o seu enquadramento sociopolítico e fazer ouvir a sua voz, valorizando principalmente as mulheres e os adolescentes.
O próximo passo é percebermos ao certo qual o impacto que a pandemia teve na sustentabilidade da saúde pública, mas só daqui a uns anos é que conseguiremos saber. De qualquer forma, não se augura nada de bom, ainda que, conceptualmente, estejamos a ir na direcção certa.