Investigação e ensino superior: como e para quê?
Eis várias ideias-chave para o enquadramento da investigação científica no ensino superior.
Em fevereiro de 2022, a Comissão de Ensino, Investigação e Desenvolvimento do Conselho Geral da Universidade de Coimbra realizou um evento muito participado pela comunidade, no qual se discutiram diferentes pontos de vista relacionados com o enquadrar da investigação científica no ensino superior; e com as necessárias interações que têm de existir com as empresas e a sociedade em geral para que possa ser a força motriz que deve ser num país moderno. Considerando, desde logo, que um dos problemas estruturais é que há necessidades permanentes em investigação atualmente abordadas com financiamento limitado não permanente, várias ideias-chave emergiram.
• As carreiras de Docente Universitário (que faz, ou pode fazer, investigação a tempo parcial) e a de Investigador (que faz investigação a tempo inteiro e pode, ou não, ter alguma atividade letiva) devem ser profundamente repensadas do ponto de vista legislativo, jurídico e regulamentar. Têm de existir carreiras bem delineadas que permitam previsibilidade e planeamento na sua gestão, implicando avaliação externa regular independente, com critérios de exigência e responsabilização. O modelo atualmente existente não responde às necessidades, nem de instituições, nem de docentes/investigadores.
• As carreiras podem implicar diferentes graus de dedicação a vários aspetos fundamentais no ensino superior: investigação, docência, gestão, comunicação, serviços. No entanto, não podem ser tão rígidas como são atualmente, mas devem antes ter flexibilidade suficiente para permitir a cada um variar a sua dedicação e focar-se mais numa ou noutra vertente em momentos diferentes da sua carreira. Algo que permitiria em cada fase da carreira aproveitar melhor diferentes caraterísticas, maximizando a eficiência e tirando o melhor partido de cada uma. Maior flexibilidade na carreira permitiria também valorizar mais a experiência acumulada e reduzir o cansaço. Teria de haver regras simples, claras e previsíveis, e não uma gestão de carreira ad hoc.
• O contributo dos docentes/investigadores tem de ser mais valorizado, com sistemas claros de incentivo e de estímulo a diversos níveis, que sejam, mais uma vez, simples e transparentes. A avaliação tem de ser fortemente repensada de modo, não só apontar sempre para uma maior exigência, como a valorizar de forma consequente atividades cruciais, mas academicamente menos canónicas, que impliquem ligações efetivas à sociedade e criação de valor (cultural, social, económico), e não apenas indicadores científicos. É igualmente importante ter políticas específicas para áreas menos desenvolvidas, e mecanismos inclusivos para estimular e apoiar indivíduos pouco envolvidos, ou numa fase difícil da carreira.
• Sendo que não houve unanimidade sobre as vantagens de uma carreira estritamente de investigação no ensino superior, sobretudo nos moldes em que é balizada atualmente, é fundamental criar sistemas de apoio a angariação de financiamento e de gestão eficazes que libertem os envolvidos para atividades produtivas. Por outro lado, a precariedade permanente, e o facto de existirem contratos com tipologias e garantias distintas diferentes para o desempenho das mesmas funções, não são condições aceitáveis, e geram permanente insegurança, desmotivação e descrença. É ainda de sublinhar que os apoios dados no início de um projeto não permitem fixar equipas, sendo necessário delinear estratégias de médio-longo prazo. Por último, as instituições têm também o dever de assumir algum risco estratégico ao abordar estas questões.
• Todos os tipos de investigação (básica, aplicada, profissionalizante) fazem falta e devem ser apoiados. A ótica deve ser inclusiva e multidisciplinar, que perceba especificidades disciplinares, mas as transcenda, ligando de forma efetiva os diferentes tipos de instituições (universidades/politécnicos, centros de investigação, empresas, estruturas governativas locais e nacionais, associações de cidadãos, ONG, etc.). Mas não com estratégias e programas que claramente não são eficazes, e que devem ser reavaliados. Por exemplo, tem sido demasiado fácil para a indústria obter apoios para investigação e desenvolvimento, sem verdadeiramente os promover, e sem contratar de forma sustentada doutorados. O objetivo último tem de implicar a criação de ecossistemas de saber verdadeiramente integrativos e dialogantes, em vez de aglomerados díspares reunidos de forma utilitária e pontual para executar projetos e garantir indicadores. Modelos com esse tipo de organização existem já em países com condições e constrangimentos muito similares a Portugal, pelo que não se trata de um objetivo utópico; e temos condições únicas para, neste momento, consolidar esse caminho.
• Independentemente de questões relacionadas com carreiras, não é possível pensar a investigação desligada do ensino, nem o ensino desligado da investigação; porque a missão do ensino superior é formar para um mundo desafiante em permanente mutação, na vanguarda do qual está a investigação. Neste sentido, a flexibilização dos curricula académicos, não só permitindo, mas promovendo maior inter e multidisciplinaridade, é também um objetivo essencial para uma melhor e mais eficiente integração da investigação e do ensino. Dessa simbiose resultarão docentes mais realizados e eficientes capazes de promover uma formação verdadeiramente superior, pronta a formar cidadãos para o futuro.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico