A venerável Odessa prepara-se para o ataque brutal da Rússia
Os habitantes da terceira maior cidade da Ucrânia, porto estratégico no mar Negro, sabem que a chegada do invasor russo está por dias.
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A praia onde residentes e turistas apanham sol no Verão está agora coberta de minas. A areia está a ser colocada em sacos que podem ser usados para bloquear estradas ou para fazer fortificações de vidro.
Quando se contempla o mar Negro a partir de certas zonas da cidade, os navios de guerra russos são visíveis.
As pessoas em Odessa, um importante porto e a terceira maior cidade da Ucrânia, com cerca de um milhão de habitantes, não se perguntam se a Rússia planeia lançar aqui um ataque. Têm a certeza que sim. Das cidades do Sul da Ucrânia, Odessa é, economicamente, a mais estratégica - o que a torna um alvo inevitável para as forças russas que já sitiaram outros portos a leste.
Um ataque a Odessa poderá vir dos navios de guerra. Poderá vir do Leste, onde as forças russas já controlam o porto de Kherson e avançaram para Norte até Mykolaiv. Poderá até vir do Oeste, a rota de evacuação preferida na direcção da fronteira com a Moldova. As forças russas estão posicionadas no enclave separatista da Transnístria, ao longo de uma faixa da fronteira da Moldova com a Ucrânia.
Nos últimos dois dias, navios de guerra russos foram avistados perto das praias de Chernomorsk e Zatoka, em Odessa, onde um desembarque anfíbio é mais provável devido às condições geográficas favoráveis, refere Alexander Velmozhko, porta-voz das Forças de Defesa Territorial.
A cidade de Odessa, conhecida na Ucrânia pelo sentido de humor único dos seus habitantes, está assim a preparar-se para o pior.
“Agora não é altura para piadas”, diz Eduard Shevchenko, que trabalha com a organização voluntária Park Kultury, que auxilia reformados e trouxe alguns alimentos não perecíveis para Olga Lyashenko, de 86 anos.
Lyashenko usa um andarilho, pelo que deixar a sua casa está fora de questão. A cave subterrânea do prédio onde vive, que estava a ser usada para armazenar lixo, foi limpa para que possa transformar-se num abrigo antiaéreo. Mas a sua vizinha, também na casa dos 80 anos, não ficou impressionada. “Está nojenta”, comenta.
Quando soam as sirenes de ataque aéreo, nenhuma das mulheres sai do seu apartamento do nono andar para o abrigo.
“Eu cresci na guerra”, diz Lyashenko, que nasceu em 1936 e recorda-se da ocupação romena da cidade durante a II Guerra Mundial. O icónico Teatro de Ópera e Ballet de Odessa foi quase bombardeado, lembra. O edifício remonta a 1887, quando a cidade era uma vitrina da Rússia Imperial. Ainda está de pé, localizado a poucos quarteirões da praia, agora cercado por sacos de areia e barreiras antitanque.
Em Kharkiv, no Nordeste da Ucrânia, tal como Odessa uma cidade de maioria de língua russa, o teatro de ópera foi um dos edifícios danificados pelos bombardeamentos.
"Estou sempre a chorar”, diz Kristina Botushan, residente em Odessa. “Tenho amigos nas cidades que foram atacadas. O que está a acontecer é um inferno.”
A costa da Ucrânia tem sido um foco particular das forças russas. A batalha continua em Mariupol, a principal cidade portuária do mar de Azov, perto da Crimeia, que a Rússia anexou em 2014. O porto vizinho de Berdyansk está agora nas mãos dos russos.
As forças russas da península da Crimeia avançaram para Nordeste até Melitopol e também para noroeste até Kherson, uma cidade de cerca de 300 mil habitantes a 140 quilómetros de Odessa.
Embora a Ucrânia possua mísseis anti-navio para defender a costa, a frota naval do país é considerada um ponto fraco da sua defesa. Perdeu a maioria dos seus navios quando a Rússia capturou uma base importante em 2014. Os navios que possui agora não têm mísseis. A marinha não tem fragatas modernas.
O orgulho da sua frota, o navio-almirante Hetman Sahaidachny, estava a ser reparado em Mykolaiv, um porto para o qual as forças russas estão a avançar. O capitão do navio deu ordem para afundá-lo para que “não fosse capturado pelo inimigo”, escreveu o ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, no Facebook.
“É difícil imaginar uma decisão mais difícil para um bravo guerreiro e para a sua tripulação”, disse Reznikov. “Mas vamos construir uma nova frota, moderna e poderosa. O principal agora é resistir.”
Odessa tem passado os últimos dias a preparar-se para fazer exactamente isso.
O recolher obrigatório na cidade, às 19h, é cumprido rigorosamente. As ruas do centro, conhecidas pela sua arquitectura delicada e deslumbrante, estão agora ocupadas com barreiras de pedra e “ouriços” antitanque feitos de barras de metal. Por toda a cidade, a agora famosa resposta dos guardas fronteiriços da Ilha das Serpentes - “Ó navio de guerra russo, vai-te foder” - está afixada em outdoors por toda a cidade.
“A saudação ‘Glória à Ucrânia’ tornou-se a mais comum na Ucrânia”, afirma Alexander Slavskiy, que há apenas dez dias geria um fundo do governo, mas é agora soldado das Forças de Defesa Territorial. “Antes não era assim. A cidade está a mobilizar-se. Todos os que queriam sair foram-se embora, mas ficou muita gente.”
Enquanto se ouvem bombardeamentos distantes, um grupo de homens prossegue com as suas habituais partidas de xadrez num pequeno parque no centro de Odessa. Não vão abandonar as suas casas, garantem. Mas estão apavorados com o que está para chegar à cidade.
“O xadrez é um jogo tranquilo que obriga a pensar e a ser criativo”, afirma Vladislav Vasytinski-Kazimir, de 59 anos, nascido em Odessa. “Seria melhor se os militares se sentassem a uma mesa de xadrez para resolver as suas diferenças em vez de olharem através de uma mira telescópica ou dispararem mísseis.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post