Como evitar a perda auditiva?

A propósito do Dia Mundial da Audição, importa abordar o preponderante papel do diagnóstico precoce na saúde auditiva e perceber o que pode ser feito, ao longo da vida, para evitar a surdez.

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Rui Gaudencio/Arquivo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) está muito preocupada com o aumento da surdez em todo o mundo. Por esse motivo decidiu organizar o I World Hearing Forum, o qual teve lugar em Genève nos dias 4 e 5 de dezembro de 2019 e no qual tive a honra de participar enquanto membro da direção do GRISI (Grupo de Rastreio e Intervenção da Surdez Infantil).

Durante esse fórum foram criados grupos de trabalho que se ocuparam de diversos temas, tais como a surdez infantil e o seu rastreio, a surdez profissional, o excesso de ruído urbano, a surdez provocada nos jovens pela exposição a música demasiado alta, entre outros. Nos anos seguintes, e face às condicionantes impostas pela pandemia, as reuniões continuaram a ser realizadas online.

Nos países desenvolvidos, uma a três crianças em cada mil nascem com surdez severa profunda. No século passado a surdez adquirida, resultante de infeções maternas, trauma, icterícia grave, meningite, entre outros, era mais preponderante que a surdez genética ou hereditária. Nos últimos anos, e devido às campanhas de vacinação, aumento da segurança rodoviária e melhoria dos cuidados materno-infantis, essa situação inverteu-se.

Nesta temática é crucial o diagnóstico precoce. A implementação do Rastreio Auditivo Neonatal Universal (RANU) veio permitir identificar esses recém-nascidos logo na maternidade e iniciar um programa de reabilitação.

Mas porque é tão crucial intervir precocemente? A explicação é a seguinte: perante uma surdez profunda, se a área cerebral dedicada à audição não for estimulada nos primeiros anos de vida, essa função ir-se-á perder e acabará por desenvolver outras capacidades cognitivas, mas não auditivas, estando a criança condenada a comunicar somente por linguagem gestual. Nesse sentido, o diagnóstico da surdez deverá estar realizado pelos seis meses de vida e nessa altura fazer a adaptação de próteses auditivas. Se a criança demonstrar um bom resultado com estas e começar a desenvolver linguagem, deverá mantê-las e ser acompanhada por professores e terapeutas da fala especializados. Contudo, se tal não se verificar, deverá ingressar num programa de implantação coclear, de forma a poder ser intervencionada por volta do primeiro ano de idade. Está provado que, se a criança não tiver outros deficits associados, essa intervenção precoce e o correcto acompanhamento permitirão que, quando atingir os 4 anos de idade, o seu desenvolvimento de linguagem possa ser equivalente a um normo ouvinte e aos seis anos poderá iniciar a escolaridade em turmas regulares. Reparem como este tipo de actuação poderá marcar o futuro da criança, permitindo que um surdo total à nascença possa atingir todos os graus de ensino e assim vir a desempenhar praticamente qualquer profissão.

Para além desta intervenção precoce, são também muito importantes os programas de saúde escolar, os quais permitem identificar crianças com perdas de audição, as quais não sendo tão graves como as mencionadas anteriormente, poderão interferir de forma significativa com o rendimento escolar.

Quanto à surdez profissional, verdadeiro flagelo da população trabalhadora nas indústrias têxtil e metalomecânica nos séculos XIX e XX, os programas da Medicina do Trabalho e Saúde Ocupacional, permitiram estabelecer medidas preventivas tais como utilização de protectores auriculares, que impedem o aparecimento da perda auditiva e dos incapacitantes zumbidos ou acufenos, de tal forma exasperantes que levavam à depressão e suicídio. Convém lembrar que quer a surdez quer os acufenos não têm solução, pelo que a melhor forma de actuar é através da prevenção.

Ora, se nos trabalhadores dessas indústrias ruidosas foi possível minimizar as consequências do seu insubstituível trabalho em ambiente tão hostil, não é de todo admissível que por razões lúdicas os nossos jovens fiquem com lesões irreparáveis por frequentarem bares, discotecas e concertos em que os decibéis estão muito acima do razoável. Não é igualmente aceitável ministrar aulas com música muito alta em ginásios, que são locais onde vamos à procura de melhorar a nossa condição física e, desta forma, podemos ficar com um zumbido para a vida toda.

É da responsabilidade dos pais e dos educadores sensibilizar as suas crianças e adolescentes para os malefícios da utilização de dispositivos musicais (tipo leitor de MP3), com volume de som excessivo.

Consciente desta realidade a OMS criou grupos de trabalho para implementação do rastreio neonatal nos países menos desenvolvidos, incrementação da saúde escolar e diagnóstico e intervenção na surdez do idoso (ouvir mal na terceira idade não é uma fatalidade, havendo meios de a minimizar). Paralelamente, sensibilizar os fabricantes de dispositivos musicais para limitarem o output desses equipamentos e os governos para criarem medidas de combate à poluição sonora nas grandes cidades.

Em pleno século XXI, todos devemos estar cientes dos riscos da exposição ao ruído e colaborar para a redução do mesmo, proporcionando uma vida mais saudável e feliz.


O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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