“Estou em pânico porque a minha família corre perigo”: os testemunhos dos jovens que vêem a guerra longe de casa
Numa altura em que a guerra volta a assolar a Europa, jovens ucranianos e russos que vivem (ou já viveram) em Portugal foram confrontados com um cenário a que assistem à distância. Há “um sentimento de incapacidade muito grande” — e há quem pondere juntar-se ao Exército.
Com as tropas russas a invadirem a Ucrânia, Taiysiya Pavlutska, Mykhaylo Shemliy, Maksym Pavlyuk e G. assistem a uma realidade que não conseguem assimilar e falam no medo que sentem pela segurança de familiares e amigos.
Taiysiya Pavlutska, 18 anos
Taiysiya Pavlutska é estudante de Direito na Universidade Lusíada do Porto. Nasceu na Ucrânia e, com apenas quatro anos, veio para Portugal acompanhada pelos pais. Em conversa com o P3, a jovem, que já desejava há algum tempo voltar ao seu país de origem, confessa que está com o “coração partido” e que nem consegue “ver as notícias” sobre a sua terra natal. Visivelmente “triste”, Taiysiya revela que se sente “desassociada” e “fora de [si]”, afirmando que parece que “alguém morreu”.
A sua madrinha continua na Ucrânia, tal como os pais do padrasto, com quem tem estado em contacto apenas através de videochamadas. Segundo os relatos destes familiares, há “aviões a passarem” e “pessoas mortas pelo chão” na cidade onde vivem, Drohobych, que fica a cem quilómetros de um dos locais que foi bombardeado pela Rússia. Estão a tentar fugir para a Polónia, conta Taiysiya, porém, “não conseguem ir de carro” porque “a fronteira está fechada”.
Para a jovem ucraniana, é inacreditável haver conflitos desta escala em pleno século XXI: “Como é que ainda há guerra? Como é que ainda há gente assim? Como é que ainda há países assim no mundo?” Na óptica de Taiysiya, Vladimir Putin, Presidente da Rússia, deu início a esta guerra por motivos financeiros e também para “criar a cortina de ferro outra vez”, de modo a anexar “todas as regiões que estão à beira”. A Ucrânia, diz, “dá jeito” para “ser um ponto de defesa”.
Na sua cabeça, o cenário na Ucrânia é “um bocado apocalíptico”. A seu ver, foi necessário “cair bombas para toda a gente querer saber” do país, porque “toda a gente se esqueceu da Ucrânia”. Com um grande “amor à pátria”, onde “estão as raízes”, Taiysiya confessa que, caso estivesse lá, “se juntava ao Grupo Revolucionário”. Para a jovem ucraniana de 18 anos, o mais importante que os outros países devem fazer (e das únicas coisas que podem fazer) é “ajudar ao acolher pessoas”, tal como fez (e está a fazer) Portugal, país a que está “grata” por a ter recebido a si e aos seus pais.
G., 20 anos
G. tem dupla nacionalidade, russa e alemã, e está em Portugal, a frequentar a licenciatura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Apesar de ter concordado em dar o seu testemunho ao P3, prefere manter-se no anonimato por medo de sofrer consequências por parte do Estado russo. Para a jovem, ver aquilo que o seu país está a fazer é uma “humilhação”. Diz que Putin “não quer saber das pessoas” e envergonhou todos aqueles que são contra a invasão “de um país que não lhes pertence”. G. vê com cepticismo o discurso do Presidente russo, que “foi quase uma aula de História” em que Putin explicava “porque é que a Ucrânia era a Rússia”. “Para ele, a Ucrânia quase não existe”, afirma a jovem.
Ainda que o clima de tensão entre a Rússia e a Ucrânia fosse palpável, para G. a notícia da invasão russa no território ucraniano não deixou de ser “surpreendente”. Diz que o seu primeiro instinto foi mandar mensagem aos amigos ucranianos: “Eles responderam rapidamente, e estou em contacto com eles agora, sempre.”
Apesar de se sentir impotente por estar longe, a jovem mostra o seu apoio aos russos que participam nos protestos contra as acções do regime de Vladimir Putin, nas maiores cidades do país. Diz que “o povo russo tem medo de protestar”, devido a uma lei, implementada em 2014, que permite que uma pessoa que se manifeste contra “os valores do Governo e da própria Rússia” seja detida e questionada. “As pessoas que saem para protestar estão a arriscar a sua própria vida porque a polícia pode detê-los”, alerta.
Quanto a G., que ia viajar para Moscovo no dia 22 de Fevereiro e viu os seus planos caírem por terra, espera que o conflito termine em breve. A estudante diz que está com esperança de poder voltar a visitar não só a Rússia, mas também a Ucrânia (“esse país tão bonito”), onde poderá reencontrar os amigos. Relembra que quem governa a Rússia “está contra os direitos humanos” e que a situação deixou de ser apenas política. “Se essa pessoa está em posse de uma potência mundial tão grande, é um problema.”
Mykhaylo Shemliy, 22 anos
Do outro lado da linha, Mykhaylo Shemliy encontra-se num táxi. Ouve-se o GPS, que diz “virar à esquerda para a Rua Visconde de Santarém”, onde se localiza a Embaixada da Rússia em Lisboa, que nesta quinta-feira foi palco de protestos contra a invasão. O jovem veio para Portugal aos oito anos, com os pais. Estudou Gestão de Empresas no Instituto Politécnico de Tomar e, nas últimas legislativas, foi o candidato da Volt Portugal pelo circuito de Santarém. Contudo, mantém uma relação muito forte com seu país de origem, a Ucrânia.
Quando questionado se foi surpreendido com a notícia do ataque russo, diz que “foi um choque”, mas já o esperava. Mykhaylo sofre de “um sentimento de incapacidade muito grande” e não esconde a vontade de ir para a Ucrânia e juntar-se ao Exército. Afirma que não ficaria de consciência tranquila se “ficasse de braços cruzados”, enquanto a sua família sofre os eventos da guerra em primeira mão. “Faz todo o sentido para mim ir para lá”, acrescenta, com convicção.
Mostra-se preocupado com a família, que vive em Lviv, uma das cidades mais ocidentais da Ucrânia e próxima da fronteira com a Polónia. “Não há bombardeamentos muito graves por lá, nem confrontos directos, mas continua a ser preocupante”, afirma.
Maksym Pavlyuk, 25 anos
Maksym Pavlyuk é estudante de mestrado e investigador na Universidade Técnica da Dinamarca. É natural da Ucrânia, onde viveu durante os primeiros dez anos de vida, tendo posteriormente vindo para Portugal com a avó. Tem acompanhado as actualizações do conflito pela imprensa ocidental e ucraniana e através do contacto com os familiares — incluindo os pais e os avós — e amigos, que continuam na Ucrânia.
Numa troca de mensagens com o P3, conta que o retrato pintado pelos seus entes queridos é de “um caos total”. Diz estar a sentir “muita ansiedade” e “pânico” por saber que a família pode estar em perigo e que o país onde cresceu pode “partir-se em pequenas partes ou tornar-se outro país completamente diferente”. Por viver longe, a situação “não está a mudar muito os planos”, mas diz que está a tentar “seguir com a vida” para controlar a ansiedade.
Tem família em Kiev, que nesta sexta-feira acordou com o som das explosões, e descreve a capital como “um dos piores sítios para se estar agora na Ucrânia”. Adianta que a família está a tentar chegar a “outros pontos mais calmos”, mas que “alguns tiveram de ficar lá porque não conseguem viajar ou não têm gasolina para isso”. Conta também que alguns amigos que vivem mais perto da Rússia, em Kharkiv, “simplesmente estão em casa porque não há mais nada a fazer”, já que têm as forças russas “a meros quilómetros” e não há forma de viajar.
Sobre a NATO e a Europa, Maksym acredita que “as sanções também não vão ajudar muito”: “Todas as partes falharam muito nas comunicações antes de esta invasão ter acontecido”, remata. Na sua opinião, o confronto podia “ter sido evitado”, sendo que “nenhuma expansão da NATO, que a Rússia andava a falar este tempo todo, justifica esta invasão”. Sobre o futuro, sente que este conflito “vai dividir o mundo”. Ainda que compreenda que outros países não se queiram envolver “porque poderiam começar uma terceira guerra mundial”, diz que as forças internacionais deveriam focar-se em “ajudar os refugiados da Ucrânia ou até da Rússia — pelo menos, não falhar nisso, já que falharam em tudo o resto”.
Texto editado por Amanda Ribeiro