Será o CDS o novo Livre da direita?
Pode até vir a ser o partido que faz mais sentido na direita portuguesa, sem ser capaz de atrair eleitorado
Sendo o CDS um dos partidos históricos da democracia portuguesa, vive, actualmente, um momento de transição que pode ditar a sua insignificância, ou mesmo o seu fim. É que, no quadrante direito do nosso espectro partidário, os últimos anos têm sido marcados por uma reconfiguração, com o aparecimento de novos partidos.
Esse fenómeno já se tinha verificado, há mais tempo, na esquerda, fruto das ondas de choque da queda da URSS e dos regimes da Europa de Leste, fazendo com que o universo eleitoral do PCP se afastasse desse partido e se tornasse disponível para novas ofertas. Foi assim que o BE conseguiu surgir e crescer. E mesmo os mais recentes PAN e Livre captam eleitores que podiam votar CDU.
Na direita, havia um conservadorismo na grelha partidária, com CDS e PSD a absorverem todo o eleitorado. A divisão entre ambos ia flutuando, mas o CDS marcava a sua posição nas classes mais altas (nomeadamente entre as de “dinheiro antigo”), em alguns sectores rurais, junto dos quadros das grandes empresas e nos católicos mais militantes. O PSD era um partido mais popular e dos micro, pequenos e médios empresários.
Nos últimos anos, porém, houve transformações na política internacional, com a emergência dos populismos da direita, mas que não contagiaram logo Portugal. E havia, também, uma tradição de partidos liberais na Europa, que nunca tiveram espaço por cá.
Mas a derrota parlamentar da coligação PàF rebentou a bolha e criou o espaço para o florescimento da nova direita: a IL e o Chega. E a posterior entrada destes partidos no Parlamento (em 2019) e o seu crescimento nas sondagens (agora) marcam uma mudança, sem retorno, na estrutura partidária da nossa direita.
É neste caminho mais tortuoso que o CDS se encontra. Independentemente da liderança em funções, os novos tempos são mais difíceis para o CDS. E é assim que o CDS se pode tornar no Livre da direita: um partido que até pode ser o que mais faz sentido na direita portuguesa, mas que não é capaz de atrair eleitorado.
A actual liderança de Francisco Rodrigues dos Santos (FRS) tem-se debatido, interna e externamente, com estas dificuldades. E, quer numa frente quer noutra, não tem sido muito bem-sucedido. Internamente, porque muitos notáveis se desligaram do CDS por causa da actual liderança (acusando-o de imaturidade e sectarismo). Externamente, porque as sondagens têm dado resultados miseráveis ao CDS.
Contudo, o posicionamento que FRS preconiza para o CDS está em linha com o passado do partido e faz sentido: um partido conservador, amigo dos negócios, mas respeitador da doutrina social da Igreja Católica.
Ainda que num tom a tentar “dar para o engraçado”, FRS explica esse posicionamento no vídeo de Natal do CDS e caracteriza bem a IL e o Chega. Segundo ele, os primos da IL vivem numa bolha de auto-sucesso urbano-liberal e esquecem-se das dificuldades que a grande parte dos portugueses enfrentam (e da ajuda que precisam do Estado, nem que seja numa perspectiva caritativa). Já os primos do Chega são uns desbocados e exagerados que, depois de baterem no peito pela religião, são anticatólicos ao criticarem o Papa ou ao proporem a pena de morte e castrações.
De facto, a IL e o Chega representam facções mais extremadas de correntes que sempre existiram no CDS (e na direita em geral), que ficavam mais bem enquadradas no CDS do que com voz própria. Aliás, o catolicismo (enquanto tradição) é a verdadeira marca da direita portuguesa e das elites económicas em Portugal. Quer o Chega (com as suas adorações pelo Antigo Testamento), quer a IL (com o seu fanatismo de mercado), violam o catolicismo, apesar de os seus votantes serem, maioritariamente, católicos. O CDS, embora com as contradições do “liberal na economia e conservador nos costumes”, é mais português do que a IL ou o Chega.
Mas a dinâmica partidária é de modas. E o populismo internacional que o Chega representa e os “amanhãs que cantam” ultraliberais que a IL professa representam mais a espuma dos dias. E é assim que um partido histórico, e que talvez seja o mais fiel representante da direita portuguesa, pode definhar.
Em 2015, antes das eleições, Rui Tavares foi o único a defender uma solução tipo “geringonça”. Tinha razão, mas não se elegeu. Hoje (depois do fracasso Joacine Katar Moreira), continua a defender acordos com o PS. Pode voltar a ter razão e, muito provavelmente, não vai ser eleito. Mas também já deveria ter aprendido que, em eleições, o que conta, a 90%, é cair em graça, e só a 10% ser engraçado. FRS também não caiu nas graças, pelo que de pouco lhe vale tentar ser engraçado.