Filipa e Diogo, os Intrepid Jumpers: Não tenham medo de viajar, não tenham medo de viver
Gostam de locais pouco explorados e de viajar sem marcações. Apaixonados pelo reino animal, já percorreram os sete continentes, mergulhando nos locais mais prístinos e selvagens. As ilhas do Pacífico são o destino de eleição, sobem a vulcões pelo prazer de ver a austeridade da natureza e visitam tribos selvagens esquecidas. “O nosso sonho é viajar sem data para voltar”.
Os nossos dedos percorrem o globo que está em cima do aparador na sala à procura daquele destino, aquele que nos vai fazer vibrar, que nos vai fazer sofrer até chegar a hora de ir. É através desta sensação que escolhemos as nossas viagens — temos de nos sentir inspirados pelos locais e pelas aventuras que podem vir a acontecer. Normalmente, a inspiração surge sempre dos destinos que permanecem na penumbra, que moram no desconhecido, onde a civilização ainda não chegou e são estes destinos que nos atiçam a curiosidade
Esta energia pode surgir de várias formas. Quando vemos um documentário, em conversas com outros viajantes, nos livros que lemos, durante pesquisas e investigações sobre os destinos menos visitados ou até os de maior difícil acesso. Não é preciso muito tempo até que a nossa pupila se dilate de entusiasmo — encontramos a nossa próxima viagem! A excitação cresce e a curiosidade invade cada segundo dos tempos seguintes. Gostamos de não ter nada planeado, ir com a maré, deixar-nos levar, acordar sem despertador e apenas viver.
Os destinos de 2021 foram escolhidos de acordo com o que as circunstâncias actuais nos permitem. Não sentimos a mesma liberdade de escolha para podermos vaguear pelo mundo como antes de 2020 e esse ano foi quase na totalidade focado em Portugal. No entanto, dentro dos destinos possíveis, em 2021 descobrimos quatro rotas que nos despertaram emoções e para onde ainda era permitido viajar em segurança, com todos os cuidados necessários.
Não foi tarefa fácil encontrar locais pouco turísticos e que nos permitisse a entrada sem quarentena obrigatória. Como a única forma que nós temos de viajar é trinta dias de cada vez, não nos podemos dar ao luxo de ficar metade desse tempo fechados num quarto. Não foi fácil, mas se tivesse sido, não tinha a mesma graça. Damos bastante valor à forma como procuramos os nossos destinos, faz parte do processo da viagem, da emoção de viajar. É assim também que descobrimos outros destinos e acabamos por guardá-los na nossa bucket list, para visitar mais tarde.
Confessamos que passamos uma grande parte do nosso tempo livre a sonhar com viajar, com os destinos que ainda queremos conhecer e a tentar calcular quando será a melhor altura para irmos e quando de facto poderemos ir. E a verdade é que muitas vezes, ainda estamos em viagem quando começamos a falar do próximo destino. É como um vício, um bichinho que mora cá dentro. Um bichinho inquieto, cheio de vontade de ir, ver sítios novos, sítios onde quase ninguém foi, viver o que poucas pessoas viveram e sentir emoções diferentes. Mas apesar de poder parecer que somos obcecados por adrenalina, na verdade não é bem assim. Apesar de alguém a mergulhar com tubarões possa parecer que o coração dispara e que temos a adrenalina a correr nas veias, na realidade é uma sensação bastante tranquila. Regra geral, os mergulhos são momentos serenos onde a emoção mais forte é a de espanto e respeito pela natureza que nos rodeia no momento.
O ano de 2021 foi marcado por quatro viagens. A Guatemala com o vulcão em erupção em Antígua, os seus pátios, as ruas em calçada e o intenso cheiro a café que paira no ar e que nos chama a entrar em todos os locais para percebermos qual é o melhor e preenche os nossos dias devagar, enquanto queimamos tempo nos rooftops, nos bancos do jardim da praça central, enquanto conversamos com a Maria, a senhora que todos os dias se levanta para vender bijuterias a quem passa.
Fomos unânimes no momento de decidir se íamos passar uma noite ao vulcão Acatenango para vermos as erupções constantes do vulcão Fuego. Estar na presença da natureza crua é indescritível. A natureza é grande, poderosa, assustadora, emotiva e feminina. As veias de lava escorrem pela montanha e eternizam sensações na nossa memória.
As cores enérgicas das frutas dos mercados do Lago Atitlan apoderam-se dos nossos olhos, enquanto os nossos ouvidos sofrem com o som dos carros e motas que passam mesmo atrás dos nossos pés. Há uma vibe hippie nas vilas que se expandem pelos cantos do Lago. Tem algo de caótico, algo que nos faz lembrar a Índia. Os graffiti embelezam as paredes enquanto crianças jogam futebol nas ruas que se inclinam na direcção do Lago. As senhoras alongam-se nas janelas e nas soleiras das portas, enquanto outras cozinham de janelas e portas abertas, de onde se propaga no ar um cheiro maravilhoso que imediatamente nos abre o apetite e nos faz salivar.
As ondas de El Paredón são tão grandes que todos os dias surfistas locais são resgatados do mar. Eles conhecem este mar, sabem onde estão os perigos e correm o risco pela adrenalina que o surf lhes oferece. Em cima da areia estão os hotéis e as homestays que, por imposição das circunstâncias, também têm restaurantes, bares ou oferecem comida e bebida de alguma forma. Há música num bar aqui ao lado e os locais estão por ali sentados, uns nos muros, outros em bancos toscos de madeira ou na areia, a apontar para o mar e de repente, num movimento único, um deles levanta-se, pega na prancha e apanha uma onda, salta no ar e sai do mar, quando consegue. Foi fácil esquecermo-nos do tempo, apanhar sol enquanto se beberica nas piscinas com vista para o mar.
El Salvador com os seus sorrisos puros, a leveza com que se vive a vida, a comida que nos faz salivar, o surf com a sua vibe constante que circula livremente nas ruas entre as lojas pequenas que sobrevivem dos surfistas que visitam o local. Aqui a vida demora-se e alimenta-se dos momentos mais banais e simples do dia-a-dia. Mas não faz mal, gostamos assim.
Pequenos-almoços com gatos gulosos no colo, com quem partilhamos a nossa comida às escondidas, enquanto os mais madrugadores já estão no outside sentados nas suas pranchas à espera da onda perfeita. Almoços nos restaurantes de rua, onde na chapa se fazem pupusas recheadas de coisas deliciosas. Os locais andam descalços pelas ruas. Sunsets que douram o céu, enquanto o som da música que os DJ tocam nos bares dos hotéis entoa nas ruas.
Nunca nos iremos esquecer da gargalhada solta da senhora que mete conversa connosco, com os seus sacos de fruta e legumes na praça central de Juayua, depois de nos dizer algumas palavras que, infelizmente, não compreendemos, graças à sua idade, à falta quase total dos seus dentes e ao homem que faz leituras da Bíblia com um altifalante ali perto. Das cascatas, das termas, das paisagens verdes, do nevoeiro da manhã.
O Iraque com as emoções à flor da pele, a comida, o calor que parece crescer dentro de nós, a cultura do país e a história das pessoas, os locais que respiram excentricidade, dor e ao mesmo tempo alegria de viver.
Um desejo antigo de uma viagem que durante muito tempo se viu adiado. Foi em forma de surpresa que esta viagem foi organizada, como prenda do 40º aniversário do Diogo. Embarcando sem saber para onde ia, foi em pulgas até Bagdad, tentando adivinhar qual seria o destino, enumerando quase todos os destinos que anseia ir, mas nunca imaginando que seria o Iraque.
Descobrimos um país encantador, muito diferente daquilo que estávamos à espera, longe dos rótulos estipulados pelo mundo ocidental, mas ainda muito comparável ao tempo das mil e uma noites, pela magia que paira no ar.
Um país cicatrizado pelas várias guerras tão recentes, que marcaram as paisagens tropicais e desérticas que vemos. Tanques armados, Humvees e policiamento com postos de controlo espalham-se pelo terreno, para rastrear qualquer tentativa de um atentado.
O México com todas os seus momentos vibrantes e cativantes, a comida saborosa, a curiosidade dos mexicanos, preparados pelos vizinhos americanos no acto de prestar serviços e as paisagens dos cactos que aparecem aqui e acolá. Desde o Dia de Los Muertos, passando por pueblos mágicos, pelas festas de Oaxaca, pelo surf e até ao mergulho, fomos atravessando o país ao som de músicas tradicionais e com o nosso José, o esqueleto que brilha no escuro que nos acompanhou e dançou connosco ao ritmo das lombas constantes da estrada, pendurado no retrovisor do carro alugado.
Os rooftops de Oaxaca, as provas de guacamole, de tequila e de chapulines (gafanhotos secos e triturados, misturados com especiarias que se coloca na borda dos copos de tequila). A vibe de surf nos olhos dos surfistas de pé descalço em Puerto Escondido enquanto todos se juntam para ver o pôr-do-sol todos os dias na praia para a seguir se juntarem nos restaurantes e bares enquanto dançam e conversam. As praias azul-turquesa da Baja California e o mergulho que se revelou um dos melhores até hoje. Uma semana passada em alto mar enquanto mergulhávamos com tubarões, baleias, golfinhos e mantas de proporções fora do normal. Dias excepcionais e inesquecíveis que colmataram os últimos dias passados no México.
Não foram os destinos mais exclusivos e certamente se não fosse pela covid-19 teríamos optado por ir para outros destinos. No entanto, foram excelentes surpresas e mesmo nos locais mais comuns conseguimos fugir da rota turística e encontrar caminhos menos habituais.
Felizmente, conseguimos continuar a viajar da mesma forma que viajávamos antes da pandemia. No entanto, não sem a pesquisa clássica a que nos habituamos nos dias de hoje. Viajar livremente, sem preocupações, sem testes e sem medos passou a ser um luxo raro e sabemos que até à hora de ir, a viagem pode ser cancelada. É a nossa nova realidade e temos de encará-la com naturalidade.
Não queremos deixar de viajar, muito pelo contrário! Nunca quisemos tanto viajar e fazemos todos os esforços para poder fazê-lo. Quer esses esforços venham sob a forma de testes PCR, vacinas, certificados, preencher documentos atrás de documentos e até evitar países que queremos tanto visitar mas que estão fora do nosso alcance neste momento. Quando for possível, terão um sabor muito mais rico.
Nada disto nos demove do nosso objectivo de vida — viajar, percorrer o mundo, descobrir aventuras e viver o momento intensamente.