Ruthia Portelinha: A jornada mais importante leva-nos a “casa”, ao lugar onde a família está junta
Ruthia Portelinha escreve no blogue Berço do Mundo, é cronista de viagens no Jornal de Guimarães, voluntária num centro de acolhimento para crianças com deficiência na Costa do Marfim, revisora de texto e empresária agrícola. Deixou de leccionar mandarim, quando se mudou para África, em 2021. Habitualmente viaja sozinha com o seu filho Pedro, de 13 anos.
Esta é a crónica sobre uma família peculiar, dividida em dois continentes, por força de uma vida profissional intensa: pai, mãe e um miúdo que se diz pré-adolescente. Tudo parecia funcionar bem, apesar das moradas diferentes. Jantares partilhados via Skype, reprimendas parentais entregues à mãe, por defeito de proximidade, aventuras a dois (mãe e filho), porque o terceiro elemento raramente tinha tempo, ou energia, para calcorrear destinos longínquos. E depois havia os voos regulares Luanda-Lisboa, por vezes apenas um fim-de-semana para matar as saudades, que não há tecnologia que substitua um abraço a sério, daqueles que nos cobre como um cobertor quente numa noite de Inverno.
A frágil normalidade desta rotina foi abalada por um misterioso surto que, inicialmente, parecia limitado a uma cidade chinesa de difícil pronúncia, mas, num ápice, limitava movimentos à escala planetária. A família ficou seis meses sem abraços reais, desses verdadeiros que aquecem até aos ossos.
Os países encerraram fronteiras, cancelaram-se reservas, o espaço aéreo voltou ao domínio (quase) exclusivo dos pássaros. Numa altura em que a maioria dos viajantes ansiava por liberdade, estes três portugueses só queriam estar juntos, em qualquer canto do mundo: sustentaram-se com ligações do WhatsApp, enganaram as saudades com fotos comezinhas, do almoço ou do estado do tempo.
O confinamento terminou, regressou, voltou a aliviar e, algures durante este processo, as viagens ganharam um novo significado. A dupla de viajantes retomou as suas aventuras com alguma timidez. Em 2020 (re)descobriram o Portugal rural, em 2021 já se esticaram ao estrangeiro, incluindo umas semanas hygge nos reinos da Dinamarca e da Suécia, enquanto os telejornais alarmavam com a novel e terrível variante Delta.
Viajar constitui um assombroso sinal de evolução civilizacional que, como muitas outras, esta família tomou por adquirido. Hoje compreende que, apesar da sua sede de mundo, a jornada mais importante é aquela que os conduz a “casa”, isto é, o lugar onde a família está junta.
Em 2021, mudaram-se, de armas e bagagens, para esse portento chamado África, reformulando toda a dinâmica familiar. Outras forças, de ordem mundial ou pessoal, podem voltar a impedir aventuras internacionais; o verbo viajar é hoje mais precioso.
Para o novo ano, o trio espera explorar a Costa do Marfim, a sua nova casa, em modo slow, mantendo-se fiel à filosofia de educar o seu pré-adolescente para preservar o planeta e respeitar os seus habitantes, independentemente do seu credo ou tom de pele. Quaisquer outras aventuras – quem sabe uma road trip pelo Canadá e um novo projecto relacionado com viagens – serão um bónus, que em nada afectarão a sua felicidade.
O que desejam para 2022 é que cada um encontre a sua jornada mais importante, geográfica, profissional ou introspectiva. Para os primeiros, África poderá ser um destino a considerar (talvez não ideal para viajantes pouco experientes), tendo em conta a menor expressividade de casos covid-19. É como se a maior parte do continente, habitual cenário dos mais apurados dramas, estivesse a ser poupado por alguma força divina.