O impacto da Ómicron e os fantasmas do Natal passado
Este Natal ainda tem de ser de contenção face ao impacto provocado pela emergência da variante Ómicron. A contenção passa por testes regulares antes de atividades de maior risco (por exemplo, jantares de Natal), alguma “dieta” de contactos e, finalmente, se são elegíveis para a vacinação de reforço, vacinem-se antes do período de festas.
A variante Ómicron vem demonstrar que as notícias da morte da pandemia foram manifestamente exageradas. Neste texto, faço o acompanhamento das descobertas científicas mais recentes relacionadas com a Ómicron e o impacto que a variante pode ter nas nossas vidas, especialmente na época festiva.
A variante Ómicron é mais transmissível e vai substituir a variante Delta como dominante
O crescimento na África do Sul já denunciava que isso poderia acontecer, mas precisávamos da confirmação de que isso também aconteceria noutros países, especialmente no continente europeu. Dois relatórios publicados na semana passada deram conta de crescimentos muito acelerados da Ómicron na Europa.
Na Dinamarca, a 7 de Dezembro, a Ómicron já representava 8% dos casos (ler relatório aqui), tendo subido de 2% de casos a 1 de Dezembro. Uma mensagem semelhante chega de Inglaterra e Escócia (ler relatório aqui), mostrando também o crescimento exponencial da variante Ómicron. Portugal, como os restantes países europeus, seguirá a tendência da Dinamarca e Inglaterra.
Ainda estamos protegidos da Ómicron com as vacinas que temos?
Sim, mas menos protegidos do que estávamos até agora. No entanto, a 3.ª dose parece aumentar a proteção contra a Ómicron.
Durante a última semana, foram saindo os primeiros estudos sobre ensaios de neutralização, que são experiências que testam o poder de neutralização do soro (parte líquida do sangue) em vírus da variante Ómicron cultivados in vitro. O primeiro desses estudos da África do Sul (aqui) confirmou o que já esperávamos: há perda de efeito protetor em pessoas já vacinadas com duas doses. Depois disso, já saíram outros estudos que apontam todos no mesmo sentido. Mas parece que uma 3.ª dose confere mais proteção, segundo os dados ainda não publicados de Israel.
Estes estudos são uma peça do puzzle, mas não contam a história toda. É preciso ver como a variante Ómicron se comporta no mundo real. O primeiro estudo sobre a proteção conferida pela vacina no mundo real é do meu colega Jamie Lopez Bernal em Inglaterra (aqui) e reforça a conclusão dos estudos in vitro. A Ómicron reduz o efeito protetor da vacina para a doença com sintomas, em relação à variante Delta (40% para a Ómicron com duas doses Pfizer, em comparação com 60% para a Delta), mas com a 3.ª dose existe um aumento da proteção (80% para a Ómicron, em comparação com 90% para a Delta). Não sabemos ainda o efeito protetor da vacina para a hospitalização e morte, mas sabemos que a proteção das vacinas é sempre melhor para hospitalização e morte do que para doença com sintomas.
E a reinfeção, posso voltar a ter covid-19 com a Ómicron?
O risco de reinfeção (voltar a ser infetado) aumentou com a variante Ómicron. Essa informação é confirmada por estudos na África do Sul (aqui) e de Inglaterra (aqui). Até agora, a reinfeção era um fenómeno raro, que dizia respeito a menos de 1% dos casos. Nos dados preliminares de Inglaterra, o risco de reinfeção aumenta cinco vezes em comparação com a variante Delta. Provavelmente, a reinfeção continuará a representar uma percentagem do total de casos pouco significativa, mas irá aumentar bastante o número absoluto de reinfeções.
Qual é o risco de hospitalização e morte com a Ómicron?
É neste campo que ainda sabemos muito pouco. Há alguns relatos ainda pouco fundamentados de menor severidade. Mas, mesmo que a Ómicron seja menos severa, pode ainda causar grande pressão no sistema de saúde e disrupção social. Já vimos que a Ómicron é mais transmissível, o que poderá causar um aumento de casos exponencial. Mesmo que a percentagem de doença grave seja menor, dará lugar a um aumento absoluto do número de casos graves. Por exemplo, se com a variante Delta tivéssemos mil casos, e 2% de casos graves, teríamos 20 casos graves. Se a Ómicron for três vezes mais transmissível do que a Delta, mas menos severa, poderíamos ter, digamos, 3 mil casos, mas só 1,5% de casos graves. Ou seja: 45 casos graves, mais do dobro dos que teríamos com a variante Delta. A mensagem é clara: não nos devemos deixar levar por notícias de que a Ómicron pode ter menos gravidade, porque, mesmo com menor gravidade, como é mais transmissível, isso chega para ser um problema.
Qual o impacto da Ómicron?
A melhor forma de medir o impacto é pela capacidade que a epidemia tem de causar pressão no sistema de saúde que impeça ou atrase outros cuidados de saúde. Em Portugal, esse valor é atingido quando passamos das 255 camas em cuidados intensivos para a covid-19. Ainda não temos projeções para Portugal do impacto da Ómicron nas hospitalizações, mas temos essas projeções para Inglaterra (aqui).
No estudo inglês, foram criados vários cenários, de acordo com a capacidade de a variante fugir ao sistema imunitário e com a efetividade das doses de reforço. No cenário que acho mais provável (evasão elevada e alta efetividade de dose de reforço), há uma elevada pressão sobre as hospitalizações, comparável com a onda do inverno passado, mas menor impacto na mortalidade que no inverno passado. Este estudo deixa um aviso importante: a variante Ómicron pode ter capacidade de deixar sob pressão os nossos hospitais.
Fantasmas do Natal passado
Falemos agora sobre o futuro falando do passado. O último inverno foi uma experiência coletiva muito traumática, que tem algumas semelhanças com a situação atual. A primeira é a existência de uma nova variante; no ano passado, por altura do Natal, tivemos a emergência da variante Alfa. A segunda semelhança é a altura de festas, que pela dinâmica social de grande mobilidade, com muitos contactos, propicia os contágios.
A grande diferença é a muralha da imunidade. Temos 86% da população com vacinação completa e 73% da população com mais de 65 anos com dose de reforço. Mas com a emergência da Ómicron, as pessoas com vacinação completa estão agora menos protegidas.
Por isso, este Natal ainda tem de ser de contenção face ao impacto provocado pela emergência da variante Ómicron. A contenção passa por testes regulares antes de atividades de maior risco (por exemplo, jantares de Natal), alguma “dieta” de contactos e, finalmente, se são elegíveis para a vacinação de reforço, vacinem-se antes do período de festas.
O autor escreve de acordo com o novo acordo ortográfico