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O bisneto de Mandela esteve em Lisboa: “O racismo está no ADN dos países colonizadores”
Siyabulela Mandela não conhece a realidade portuguesa tão bem quanto conhece o continente africano e a luta contra o racismo, mas isso não significa que esteja fora do seu radar: "Se Portugal foi um colonizador em diferentes partes do continente africano, como em Cabo Verde ou Moçambique, por exemplo, isso significa que o racismo está no ADN do sistema de governação português."
O bisneto de Nelson Mandela assume que herdou do ícone pela luta contra a segregação racial em África do Sul a mesma vontade de defender os direitos humanos, a paz e a reconciliação. Não é uma herança pequena, tal como não o são as actuais batalhas de Siyabulela Mandela: enquanto reinvindica um processo que "devolva realmente a dignidade às pessoas negras" de África do Sul, trabalha com a organização Jornalistas pelos Direitos Humanos, onde dirige a operação no continente africano, para capacitar os jornalistas para que eles possam dar voz aos mais vulneráveis. Os seus projectos desenham-se em países que vão desde a Tunísia até à África do Sul, passando pela Libéria, pelo Sudão do Sul, pelo Quénia e por todo o continente africano.
Portugal e a Europa não fazem parte do seu dia-a-dia, mas o seu passado colonial está ligado à realidade africana e assim se cruza com o presente de Siyabulela Mandela, hoje com 29 anos. "Se Portugal foi um colonizador em diferentes partes do continente africano, como em Cabo Verde ou Moçambique, por exemplo, isso significa que o racismo está no ADN do sistema de governação português", diz. De passagem por Lisboa para participar na Web Summit, Mandela recorda ao P3 que as linhas orientadoras dos regimes coloniais foram a "supremacia branca e o racismo" e sublinha que é preciso reconhecer este enquadramento e ensiná-lo para se poder, então, ultrapassar quaisquer resquícios que ele possa ter deixado na sociedade.
"Se olharmos para o tratamento das comunidades imigrantes em diferentes partes de Portugal e da União Europeia, [percebemos que] ele é influenciado pela ideologia do racismo, do ódio." Siyabulela admite que foi percorrido um longo caminho desde os tempos do seu bisavô, mas encontra no presente um retrocesso. E esse passo atrás é visível no "apartheid contra as pessoas da Palestina criado por Israel" ou no discurso de Donald Trump, de "construir muros e expulsar os imigrantes".
Siyabulela Mandela tem defendido que é preciso uma verdadeira revolução para acabar com o racismo. Uma "revolução" que "não precisa de armas" mas de um decreto. É preciso que o racismo seja declarado "um crime contra a humanidade".
Na África do Sul de Nelson e Siyabulela Mandela, a luta contra o apartheid também ainda não acabou, argumenta o jovem. Em causa, estão medidas que Siyabulela considera essenciais para devolver a dignidade àqueles que foram perseguidos pelo anterior regime sul-africano, como a devolução das terras à comunidade negra. "O facto de uma boa parte do nosso povo ainda não ter acesso à sua terra significa que também não pode participar na economia do país", diz. Por isso, "a sua liberdade ainda não foi restituída".
Siyabulela sublinha que era isto mesmo que Nelson Mandela defendia, mas que o legado do bisavô se perdeu num discurso simplista baseado no perdão. "Ele foi um homem de perdão, foi um revolucionário, foi um activista. O perdão está certo, mas é preciso negociar o futuro de alguns grupos que estão a ser oprimidos. Focarmo-nos no perdão romantiza as batalhas dos outros."
Falta cumprir-se a visão de Nelson Mandela, diz o bisneto, que herdou do bisavô as causas, a determinação e, quem sabe, a persistência.