COP26: foi dia de tomar as ruas
Na sexta-feira, dia 5, foi dia de mobilização em massa. Foi dia de sentir união, amor e solidariedade. Há uma certa invencibilidade no ar quando olhamos ao nosso redor e percebemos que estamos rodeados de milhares e milhares de pessoas que, tal como nós, querem construir um mundo diferente.
“Imagina acordar a meio da noite com o vento a soprar na tua janela: é mais um ciclone que chegou. As tuas roupas estão molhadas; vais pegar no teu irmão e corres, porque a tua casa está debaixo de água. Não sabes a tua língua materna porque ela te foi roubada de ti antes de sequer nasceres, os teus antepassados foram raptados e violados, tentaram ‘branquear’ a população violando-a e matando-a; agora o teu nome é italiano, alemão, português, espanhol. Tiraram-te tudo. Aos 6 anos, homens tentam explorar o teu corpo, e cresces com a tua casa a ser atacada e explorada. Querem tudo, querem-te a ti, à tua família, ao teu território, à tua vida.”
Foi assim que Adriani Maffioletti, 18 anos e activista indígena do Sul do Brasil, começou o seu discurso, após mais de 30 mil pessoas tomarem as ruas por justiça climática numa marcha organizada pelo Fridays For Future. Contou-nos que esta não é apenas a sua história, mas a de muitas pessoas indígenas e brasileiras que continuam a ser marginalizadas e silenciadas.
Na sexta-feira, dia 5, foi dia de mobilização em massa. Foi dia de sentir união, amor e solidariedade. Há uma certa invencibilidade no ar quando olhamos ao nosso redor e percebemos que estamos rodeados de milhares e milhares de pessoas que, tal como nós, querem construir um mundo diferente.
Activistas de todo o mundo, do Paquistão ao Equador e do Reino Unido a Uganda, ergueram as suas vozes nas ruas de Glasgow - as mesmas ruas que vão dar à Cimeira do Clima; Cimeira essa que continua a ser um palco para o poder imperialista do Norte Global. A verdadeira liderança não está dentro da Cimeira; está nas ruas, está no movimento.
Falamos de justiça climática porque, para nós, não basta baixar as emissões para resolver a crise climática. É preciso que isso não afecte mais quem é menos responsável, e que se responsabilize quem é mais responsável.
Exigimos cortes urgentes de emissões de forma a limitar o aquecimento global em 1,5 ºC; exigimos o fim de quaisquer novos investimentos em combustíveis fósseis; exigimos que os 100 mil milhões prometidos aos países mais vulneráveis sejam entregues; exigimos garantias e protecção para todos os trabalhadores e pessoas na linha da frente da crise climática.
Entre os vários poderosos discursos, membros do Fridays For Future focados em ajudar activistas de zonas de risco também tiveram algo a dizer. Têm reunido todas as suas capacidades e esforços para evacuar activistas climáticos do Afeganistão, um país que está em guerra há mais de 40 anos. Já conseguiram evacuar mais de 40 pessoas, entre elas vários jovens. As suas vidas foram postas em perigo simplesmente por lutarem corajosamente por justiça climática. Após a tomada de poder dos taliban, receberam inúmeras ameaças de morte.
Nas palavras de um dos jovens activistas: “Vivi em Cabul toda a minha vida. Tinha dias agridoces, memórias doces de reunir com amigos e memórias amargas de perder os meus melhores amigos para a guerra e o terror. Mas tinha esperança de poder viver os meus planos e objectivos, quer fossem eles pequenos ou grandes”. Mas quando os taliban chegaram, ele os seus amigos tiveram de esquecer os seus planos, os seus sonhos, os seus trabalhos e os seus objectivos. A sua única luta passou a ser a da sobrevivência, e de sair do Afeganistão. Quando foi evacuado, sentiu que estava a aguardar no fim do mundo e aceitou todos os perigos e possíveis destinos. Mais de 20 activistas foram evacuados para o Paquistão. Agora, se não conseguirem ir para outro país rapidamente, correm o risco de ser deportados de volta para o Afeganistão.
Para ser possível continuar a ajudá-los a eles e a tantas outras pessoas, são precisos mais fundos - e doações podem ser feitas aqui. O Fridays For Future Afeganistão não tem representação nesta Cimeira, nem na mobilização de hoje. É preciso falar sobre isto, e relembrar que, nesta luta, não deixamos ninguém para trás.
E em Portugal, também se sairá às ruas, em resposta ao apelo internacional de protesto no âmbito da COP26. Durante o fim-de-semana, haverá mobilizações em Lisboa, no Porto, nas Caldas da Rainha e em Faro. A luta é a única força que temos. Juntos, vamos derrubar este sistema.