“Há cada vez menos pessoas felizes com o amor”
O Coração Ainda Bate é o nome do mais recente livro de Inês Meneses, que é lançado nesta quarta-feira, em Lisboa. Em cada início de semana, a radialista dá voz e assina o podcast e a crónica com o mesmo nome, no PÚBLICO. Para este título escolheu 40 textos.
Há um ano, Inês Meneses lançou Caderno de Encargos Sentimentais, que já vai na sexta edição. Nesta quarta-feira é apresentado, em Lisboa, O Coração Ainda Bate, que nasce do podcast e das crónicas escritas no PÚBLICO e que são ilustradas pela fotógrafa Mag Rodrigues. Para o livro, a radialista escolheu 40 crónicas, onde viaja pelo passado, mas também pelo presente.
O título foi inspirado noutro título, o de um filme do realizador francês Jacques Audiard, De Tanto Bater o Meu Coração Parou. “A minha ideia era dizer que apesar de tudo que atravessamos na pandemia, e obviamente que muitas destas crónicas foram já escritas em confinamento, o coração ainda bate. No sentido de que este motor não pára. Um dia parará, mas apesar de tudo o que vivemos e de todas as tristezas, continua vivo”, justifica em entrevista ao PÚBLICO.
Para a autora, que trabalha na rádio desde os anos 1980 e que apresenta os programas Fala Com Ela; O Amor É, com o psiquiatra Júlio Machado Vaz; e PBX, era importante compilar as crónicas num livro para que estas fizessem “muitos mais corações bater”, apela. Por outro lado, a escrita das crónicas funciona como preparação para o romance que quer escrever, embora não tenha disciplina para o fazer, admite. “Eu continuo sempre a escrever e sei garantidamente que algumas das crónicas dariam um romance, se eu quisesse.”
De onde veio a ideia para O Coração Ainda Bate?
Na última entrevista que fiz ao [escritor] Valter Hugo Mãe, que eu conheço desde miúda, pois andámos juntos na escola e conhecemos Vila do Conde, falámos sobre o livro dele, onde relata imenso sobre a sua infância e a uma dada altura, em plena entrevista, disse-me ele: “Agora fico eu à espera que tu contes as tuas histórias.” E eu realmente fiquei a pensar naquilo, mas para não ser uma coisa assim de grande fôlego, pensei em propor a escrita de uma crónica semanal, livre, onde eu pudesse falar sobre o que eu quisesse, em tom confessional. E estas crónicas remetem-me quase sempre para a minha infância, para os sítios onde cresci, a praia, a escola, os primeiros amigos, as primeiras perguntas aos meus pais...
Mas também fala do presente e até da pandemia?
O livro atravessa vários episódios marcantes, alguns deles recentes, como a morte de familiares durante este período, o facto de a minha mãe ter ficado outra vez doente. Portanto, temos uma ideia de morte, de voltar a ver sítios da minha infância que me contam histórias, dos pequenos desgostos da adolescência, que fomos vivendo e que na altura nos parecem uma tragédia. São cenários que remetem sempre para onde eu estava e o que é que aconteceu.
Então é um livro triste?
É um livro melancólico, para pensar, acho eu. Penso que seja um bocadinho pretensioso da minha parte dizer que é para reflectir, mas eu acho que leva a isso honestamente, porque eu própria ao escrevê-lo estava a reflectir sobre o que se tinha passado, muitos anos volvidos. Portanto, é melancólico, mas é para terminar com um sorriso, porque apesar das experiências serem mais ou menos tristes, há uma maneira de sairmos mais crescidos, mais completos das histórias que nós vivemos.
Tal como no livro anterior, o amor está outra vez presente na sua escrita?
Eu acho que praticamente tudo nas nossas vidas é sobre o amor, porque é isso que nos inspira, que nos empurra para as coisas. O livro é dedicado à minha mãe, que eu digo que me ensinou o amor, portanto essa é a base de tudo. E ela usa sempre uma frase que é “fazer o bem sem olhar a quem" e eu gosto muito desse princípio, tendo em conta que obviamente temos de fazer triagens na vida, porque senão dávamos de igual forma a todos e seria um disparate. Mas é nessa partilha que somos validados, de vermos no outro o que ele tem de bom. E quando falamos do amor, também falamos do seu aposto, a raiva, a desilusão, são muitas as coisas menos felizes que cabem no reverso do amor.
O ser humano é tendenciosamente mais triste do que feliz?
Eu acho que é mais fácil lembrarmo-nos das coisas negativas, porque são mais marcantes. O meu tio morreu, o meu primo morreu, a minha mãe voltou a ficar doente, aconteceram-me muitas coisas na infância, mas eu olho para elas como aprendizagens e nalguns casos também como homenagens. As desilusões, os desgostos de amor, as mentiras que alguém nos pregou são coisas mais comuns e marcam-nos mais, mas temos de olhar para elas de uma forma menos negativa, senão o coração não bate mais.
Nunca sentiu o risco de cair em clichês ao tocar nestes temas? Acha que o amor é ainda um tabu?
É, sem dúvida. Todos nós já tivemos erros de casting, ou seja, todos nós nos apaixonámos ou ficamos fascinados por alguém que não valia a pena, mas há uma coisa que pensei no outro dia e que fiquei feliz, é que eu nunca disse um “amo-te” em vão. O Júlio Machado Vaz, o psiquiatra com quem trabalho na rádio, diz que hoje amamos tudo — “amei o concerto”, “amei esta refeição”. Eu rio-me, mas eu acho que é bom falarmos cada vez mais do amor. O problema é que hoje em dia vemos “muita parra e pouca uva”, ou seja, há muita conversa, mas há cada vez menos pessoas felizes com o amor.
Porquê?
Tem a ver com esta nova era, em que se forçam facilmente encontros, em que se criam expectativas e ilusões a cerca de uma pessoa, à força da Internet e do mundo digital. Diria que agora o amor é mais instantâneo e, claro, que ele pode estar ao virar da esquina, mas às vezes é difícil chegar à esquina. O amor é uma coisa que dá trabalho e antes pensava-se mais nele como um processo construtivo, de degrau em degrau, como uma escadaria longa, em que só chega lá acima quem já passou por vários avanços e recuos. Hoje descemos a escada e vamos embora.
Texto editado por Bárbara Wong