Os empregos verdes são uma opção consciente dos jovens — e vieram para ficar

Sofia decidiu o percurso no ensino superior a pensar no ambiente. Gonçalo e Joana tiveram a oportunidade de escolher um emprego verde e não hesitaram. Todos querem fazer a diferença naquele que é considerado um sector fundamental para o combate às alterações climáticas e para o desenvolvimento sustentável. Atingir os 151 mil postos de trabalho verdes é a meta de Portugal até 2030.

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Sofia Pinto Nelson Garrido
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Gonçalo Costa Rui Gaudêncio
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Joana Silva Diego Nery

Quando terminou o curso de Biologia, em 2014, Gonçalo Costa sabia o caminho a seguir: queria trabalhar com insectos e investigar novas espécies – sem esquecer o gosto pela cozinha transmitido pela mãe durante a infância e adolescência passadas no restaurante da família. Para “conciliar os dois mundos”, focou-se nos insectos comestíveis e, em finais de 2019, nascia a The Cricket Farming Co., uma empresa de produção de grilos para consumo humano.

“Podemos recorrer aos insectos não só para alimentar as pessoas, mas também utilizá-los numa lógica de economia circular e sustentabilidade”, explica o entomólogo de 28 anos. E como funciona? Primeiro, “a produção de insectos ajuda a reduzir o desperdício” quando reaproveita restos de produtos agrícolas para alimentar os animais. Por outro lado, permite também “produzir fertilizantes para novas culturas, a partir de dejectos dos grilos”, e “gerar proteínas que podem depois ser utilizadas na alimentação humana”. Com uma pequena família de insectos, Gonçalo resume que “ter um emprego verde surgiu naturalmente”.

Gonçalo Costa criou uma empresa de produção de grilos para consumo humano. Rui Gaudêncio
“Podemos recorrer aos insectos não só para alimentar as pessoas, mas também utilizá-los numa lógica de economia circular e sustentabilidade", diz. Rui Gaudêncio
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Gonçalo Costa criou uma empresa de produção de grilos para consumo humano. Rui Gaudêncio

O caso do jovem da Amadora é um entre milhares. Nos últimos anos, os empregos verdes foram subindo nas preferências dos portugueses e a criação de 151 mil postos de trabalho verdes até 2030 é uma das metas do Compromisso para o Crescimento Verde estabelecido por Portugal. Na semana em que está a decorrer a COP26, estes empregos – que, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), contribuem para a redução do impacto ambiental das empresas e dos sectores económicos para níveis que sejam sustentáveis – apresentam-se como “fundamentais para o combate às alterações climáticas e para o desenvolvimento sustentável”.

O Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, apresentado este ano pelo Governo português, com o objectivo de criar linhas de orientação na preparação do país para os desafios do futuro do trabalho, antevê a necessidade de “desenvolver um trabalho de identificação em Portugal da realidade e perspectivas de evolução do emprego ligado à economia circular e ao chamado emprego verde”.

Na transição para uma economia que “ambiciona criar trabalho e riqueza e, ao mesmo tempo, diminuir a pegada ambiental”, as empresas portuguesas começam a dar os primeiros passos. Em entrevista ao P3, Sofia Santos, economista especializada em Finanças Sustentáveis e Climáticas, revela que “há bastantes empresas que estão a contratar pessoas mais jovens para integrar as suas equipas e procuram quem tem algum tipo de conhecimento em sustentabilidade”.

De igual modo, há um “crescente número de jovens” à procura de emprego e o sector da energia – apontado como responsável pela criação de cerca de 18 milhões de empregos verdes a nível mundial até 2030 – apresenta-se como uma das áreas mais promissoras. Em Portugal, no ano de 2018, as energias renováveis geraram mais de 46 mil empregos. Os dados são do estudo Impacto da Energia Renovável, desenvolvido em 2019 pela consultora Deloitte, em colaboração com a Associação Portuguesa de Energias Renováveis, que estima um crescimento de 114 mil colaboradores neste sector entre 2018 e 2030, podendo atingir 160 mil empregos.

Procurar um emprego com impacto positivo

Entre os sectores que vão beneficiar do crescimento verde estão, também, a construção e reabilitação urbanas e a consultoria ambiental. E foi esse o caminho escolhido por Joana Silva. A jovem das Caldas da Rainha formou-se em Arquitectura, mas a “precariedade laboral e a vontade de ter melhor qualidade de vida” levaram-na a mudar de carreira. Quando tinha 27 anos, para aprofundar conhecimentos, tirou uma pós-graduação em Gestão da Sustentabilidade. “Procurei formação para me ajudar a fazer esta mudança de área e foi a decisão certa”, garante. Em Lisboa, aos 29 anos, encontrou o primeiro emprego e conseguiu ligar duas áreas de interesse: a sustentabilidade e a arquitectura. De arquitecta desempregada passou para “consultora de construção e imobiliário sustentável”.

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De arquitecta desempregada, Joana Silva passou para “consultora de construção e imobiliário sustentável”. Diego Nery
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“O que faço é um emprego não só com impacto individual, mas também com impacto numa organização que vai mudar o seu modus operandi.” Diego Nery

Mas de que forma é que a sustentabilidade pode estar presente na construção e no imobiliário? Joana explica. A construção sustentável trabalha de raiz os edifícios verdes, que “a nível ambiental têm uma eficiência superior aos edifícios convencionais”. São considerados factores como “a eficiência energética, a emissão de gases com efeito de estufa, o consumo de água ou o recurso a materiais reciclados, entre outros”. Já os edifícios construídos no passado são “adaptados o mais possível para se tornarem mais resilientes e sustentáveis”.

Um estudo da OIT indica que a adopção de práticas sustentáveis no sector da energia, incluindo mudanças na combinação de fontes de energia, promovendo o uso de veículos eléctricos e melhorando a eficiência energética dos edifícios existentes e futuros, vai resultar na criação de 24 milhões de novos empregos até 2030, compensando a perda de seis milhões noutros sectores. Segundo o livro Economia Verde e Economia Circular: Desafios e Oportunidades, de Anabela Vaz Ribeiro, Luís Miguel Fonseca e Sofia Santos, os transportes, a agricultura sustentável, a gestão da água, da terra e dos resíduos, o turismo, o eco-design, a educação, bem como o sector financeiro, a indústria e a tecnologia estão entre os sectores com mais potencial de criar empregos verdes, quer em Portugal, quer no mundo. Paralelamente, os efeitos da crise climática, como as secas, inundações ou desastres ambientais, poderão ser responsáveis pela perda de 72 milhões de empregos até ao final desta década, indica a OIT.

Orientar as empresas para a transição verde e “mitigar os riscos económicos que são derivados de riscos climáticos” é o trabalho desenvolvido por Joana desde Maio, mês em que se tornou consultora na Systemic. “O que faço é um emprego não só com impacto individual, mas também com impacto numa organização que vai mudar o seu modus operandi.” E essa mudança, continua, poderá “ter um impacto positivo no ambiente, com repercussões para as gerações futuras”. “Temos de transitar para uma economia verde, para trabalhos mais verdes e uma consciência mais verde para não provocarmos danos irreversíveis daqui a 100 anos”, acredita Gonçalo Costa, até porque “há alterações climáticas que já se sentem na pele”.

A poluição, a destruição de habitats e a extinção de espécies preocupam Sofia Pinto. Enquanto crescia, integrou grupos de defesa do ambiente e participou em acções de voluntariado, com uma única motivação: proteger o ambiente. “Acredito que qualquer pequena acção faz a diferença”, diz, com convicção. Foi a “vontade de fazer mais” que determinou a escolha do curso quando se candidatou à universidade. Com média de 19,5 valores, foi a primeira colocada na licenciatura em Engenharia do Ambiente, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Duas semanas depois de começar o percurso académico, Sofia confessa que algumas pessoas questionaram a sua escolha em prejuízo de outras áreas com mais saídas profissionais. “Disseram-me que eu estava a desperdiçar uma média, mas eu gosto de Engenharia do Ambiente e acredito que conseguirei um emprego nesta área.”

São vários os caminhos traçados pelos jovens portugueses. Há quem conclua a licenciatura e apenas procure um emprego na área de formação, outros arriscam criar o próprio negócio e ainda há casos de profissionais que abandonam as grandes empresas porque não se identificam com o “hábito corporativo”. “Há uma vontade crescente de se trabalhar nestas áreas em detrimento de outras”, diz Sofia Santos.

Enquanto consultora, recebe diariamente currículos de jovens que querem trabalhar na área da sustentabilidade. Em contrapartida, denota uma “fraca aposta em formação”. Mais concretamente, do lado das universidades, que “deveriam incorporar a temática nos programas dos vários cursos”. “Há um gap de informação no mercado porque não há licenciaturas de economia verde ou sustentabilidade para dar mais qualificações aos jovens e o que acontece é que depois nem as empresas com departamentos nesta área nem as próprias empresas de recrutamento sabem onde podem encontrar os profissionais certos”, explica. Por outro lado, a professora do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa defende que a formação “deve ser trabalhada junto das pessoas já empregadas para actualizarem as competências neste domínio”.

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“Acredito que qualquer pequena acção faz a diferença”, diz Sofia Pinto, estudante de Engenharia do Ambiente Nelson Garrido

Conciliar estilo de vida com trabalho sustentável

Sofia Pinto quer tirar o mestrado quando terminar a licenciatura em Engenharia do Ambiente, em 2024, e não pensa duas vezes quando fala na entrada no mercado de trabalho. Quer ser engenheira do ambiente e sabe que a taxa de empregabilidade do curso frequentado na FEUP ronda os 90%. Ainda assim, as ofertas de trabalho disponíveis não lhe parecem suficientes. “Penso que os empregos ligados ao ambiente e à sustentabilidade são áreas promissoras e devem ser uma aposta cada vez maior. Espero que daqui a cinco anos, quando terminar os estudos, já existam mais oportunidades de empregos verdes”, desabafa a estudante.

Recuando a 2016, o ano em que Joana Silva se despediu da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, a procura por um emprego verde parecia ser uma tarefa ainda mais complexa. “Sempre achei que poderia trabalhar em algo ligado à construção sustentável, mas na altura não se falava tanto desses temas”, recorda, em conversa com o P3. Não iniciou a procura por outro emprego e chegou até a ponderar outras saídas profissionais.

Porém, durante a pandemia, o “bichinho” da sustentabilidade tornou-se mais forte. Compreendeu que queria “alinhar o estilo de vida mais sustentável com o trabalho”: “Se a forma como vivo o meu dia-a-dia implica práticas como o uso de sacos reutilizáveis, champôs sólidos, compras em segunda mão e a granel, pensei que o trabalho numa organização poderia estar também focado em fazer o melhor para o planeta.”

Estava certa de que queria fazer mais e voltar a estudar trouxe a “mudança consciente para um emprego mais sustentável”. “Levou-me aonde quero estar e onde sinto que tenho um impacto positivo no ambiente a uma escala muito grande”, revela. O porquê desta escolha está inteiramente ligado à consciência ambiental e Joana entende que pode ser a resposta para um futuro “mais verde”. “A sustentabilidade passa muito pela consciencialização de todos, podendo ser aplicada de muitas formas tanto a nível pessoal como profissional. Sinto que, embora seja transversal a todas áreas, ainda há muito a fazer.”

Um país com “recursos naturais, tecnologia verde e um óptimo índice energético” deveria ser “um exemplo de uma economia verde”. Quem o diz é Sofia Santos, referindo a existência de estudos que comprovam que “quanto mais verde for a economia, maior é a produtividade e a criação de emprego”. Actualmente, “há muitas saídas profissionais”. Já o futuro passará por “dar um novo foco às áreas já existentes e por criar empregos novos, provavelmente muito mais ligados à ciência e à tecnologia”. Para a economista especializada em Finanças Sustentáveis e Climáticas, a economia verde é muito abrangente e é necessário que as empresas consigam reportar as suas ofertas sustentáveis. “Defendo que se faça um estudo em Portugal para contabilizar os empregos verdes que existem hoje, bem como os potenciais para canalizar os recursos para os empregos do futuro.”

Para Gonçalo Costa e Joana Silva, ter um trabalho amigo do ambiente acabou por ser uma opção consciente. “Fundei uma empresa própria para poder ser o mais verde possível e, felizmente, já há muitas áreas que são consideradas empregos verdes. Apesar de ser um crescimento lento, estão a tornar-se cada vez mais comuns, por isso penso que estamos no bom caminho”, afirma Gonçalo. A perspectiva é semelhante à de Sofia Santos, que trabalha na área desde que o conceito começou a ser usado em Portugal, no início da década de 2000. “Os empregos verdes são um mercado em crescimento e estão mais presentes no mundo do que inicialmente possamos pensar”, esclarece. “Os empregos verdes são o futuro e uma forma de inovação.”

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