O Inverno das nossas vidas
A velhice associada à doença é trágica, disso ninguém duvida. Infelizmente, os idosos são afligidos por outros males: condições de habitação precárias, carências alimentares, vulnerabilidade financeira, isolamento social… São realidades fatídicas ainda evidentes neste Portugal do século XXI.
No dia 28 de Outubro, celebra-se o Dia Mundial da Terceira Idade, que tem como objectivo de sensibilizar a sociedade para as questões do envelhecimento e a necessidade de proteger e cuidar da população mais idosa.
A questão da terceira idade — do muito que pode acarretar de menos bom — tem sido uma constante na existência da pessoa que vos escreve estas linhas. O pai hospitalizado, vivendo os últimos dias; o seu companheiro de quarto da cama ao lado, ausente, pouco depois de ter chegado; uma cama agora ocupada por outro idoso, talvez com o mesmo destino para breve. São realidades que doem a quem as sente e testemunha. O meu olhar tem estado mais atento — observo idosos a utilizar a berma da estrada como orientação, pessoas idosas hesitantes em atravessar a passadeira num avanço e recuo assustador, a contar dinheiro nas caixas dos supermercados, a cortar no peso da carne no talho, porque a pensão social não permite luxos.
Numa das visitas ao meu pai, escutei um dos momentos mais enternecedores e, simultaneamente, dramáticos. Uma mulher de corpo vergado pelo tempo sussurrou palavras inesquecíveis ao ouvido do marido moribundo: “Amo-te, sempre te amei, és o amor da minha vida, nunca te esquecerei, leva-me contigo no coração.” No dia seguinte, questionei o enfermeiro pelo senhor da cama ao lado. Resposta: “Foi uma bênção ter-se ido tão rápido.”
A velhice associada à doença é trágica, disso ninguém duvida. Infelizmente, os idosos são afligidos por outros males: condições de habitação precárias, carências alimentares, vulnerabilidade financeira, isolamento social… São realidades fatídicas ainda evidentes neste Portugal do século XXI.
A pandemia agravou esta situação, afastou mais as famílias, o que levou ao aumento do risco de insegurança dos idosos, sujeitos a burlas, maus-tratos, por vezes, pelos próprios familiares. Triste, mas verdade. Sinais de violência, falta de cuidados de higiene, impossibilidade de levantamento de receitas médicas ou assistir a consultas têm levado à institucionalização de muitas pessoas idosas.
Felizmente, existem iniciativas relevantes, como o projecto A Solidariedade não tem idade – A PSP Com os Idosos, um programa da PSP que procura “garantir as condições de segurança e tranquilidade das pessoas idosas e deste modo prevenir e evitar situações de risco”.
Em 2021, o Dia Internacional do Idoso assinalado no dia 1 de Outubro, focou a importância do acesso ao mundo digital para as populações de todas as idades. O secretário-geral da ONU, António Guterres, sublinhou que muitas acções são realizadas actualmente apenas online e a pessoa idosa precisa de apoio para aproveitar oportunidades resultantes do progresso tecnológico. Metade da população mundial ainda está offline, com um enorme contraste entre países desenvolvimentos que contam com 87% da população online e nações em desenvolvimento onde apenas 19% têm acesso à Internet. De acordo com a União Internacional das Telecomunicações, as mulheres e as pessoas idosas são as mais afectadas pela desigualdade digital.
A literacia digital é sem dúvida, importante, mas muito ainda é preciso fazer antes disso. É necessário estar mais presente, cuidar (dentro das limitações de tempo e de espaço de cada família), telefonar mais. Às vezes, basta somente isso: querer saber. O tempo passa demasiado rápido, a morte chega quando menos se espera e o que ficou por concretizar ou verbalizar ficará no vazio.
Que esta reflexão e a recordação destas datas sirvam para olharmos os idosos com outra lente. Um dia, o nosso reflexo no espelho também estará pejado de rugas, o que é bom: significa que o tempo passou por nós. Quantos não tiveram (ou terão) esse privilégio?
Ainda que a velhice seja mesmo o Inverno da nossa vida, aproveitemos as outras estações para nos cuidarmos e acarinharmos quem já lá chegou.