São muitos os que exigem a censura do ciberespaço, mas são poucos os que pensam com algum rigor e honestidade intelectual sobre esta delicada problemática. Os argumentos esgrimidos, desde o impacto nefasto das fake news e da desinformação nas democracias liberais aos problemas mentais causados pela exposição prolongada às redes sociais, são intuitivamente plausíveis, mas pouco convincentes. Não raramente, os que mais facilmente sucumbem à tentação da censura benevolente são os supostamente impolutos comentadores televisivos e jornalísticos que mais fervorosamente defendem as liberdades individuais. Bizarro, sem dúvida.
Já perdi a conta às vezes em que ouvi comentadores e eminentes “analistas” a proferirem teses fantásticas que carecem de sustentação empírica. Estes intrépidos cruzados falam como se fosse fácil discriminar com precisão a verdade da mentira no turbulento mundo da política-performance onde os imperativos da persuasão e da sedução frequentemente fomentam a propaganda e as muitas distorções e “ambiguidades construtivas” que a acompanham. Além disso, os “ciber-richelieus” presumem que as verdades impolutas que parecem saber de cor e salteado seriam facilmente reconhecidas pelos incautos que são “pavloviamente” manipulados por entidades malignas que visam o caos e a implosão da democracia liberal.
Como é que se pode censurar a mentira sem presumir que se sabe a verdade? E, mais importante ainda, quais são os perigos políticos que acompanham esta presunção dogmática de infalibilidade cognitiva? Ou, seguindo John Stuart Mill, não poderá a falsidade desempenhar um papel importante no debate público e no apuramento da verdade? Os que propõem a censura do ciberespaço ignoram uma verdade tão incómoda quanto inquestionável: a censura, independentemente de quem a exerce, confere veracidade a tudo o que é censurado e transforma o desinformador e os manipulados em mártires que, doravante, poderão “corroborar” a tese de uma cabala inominável com a censura que é exercida em nome da democracia e da liberdade.
A espiral da paranóia adensa-se: a mentira parece verdade porque foi reprimida. Se X foi reprimido é porque era verdade, dirão os manipulados. Gostaria que me explicassem quando, exactamente e em que circunstâncias, é que a censura da liberdade de expressão libertou a verdade do jugo de um manipulador ou de uma tirania? A censura engendra um debilitante e insanável paradoxo que é sempre habilmente explorado pelos desinformadores e propagandistas. Gostaria de mencionar aqui a inteligente estratégia que está a ser implementada na Finlândia e que, a meu ver, deveria ser o “gold standard” da ciberpedagogia.
O que decidiram fazer os finlandeses para combater o flagelo das fake news e da desinformação online? Educar as suas crianças. Como? Ensinam os jovens estudantes do ensino primário a pensar criticamente, a avaliar as fontes de informação e tudo o que é por elas disseminado. Os catraios nórdicos estão a aprender a cruzar dados e a investigar. Ao que parece, adoram ser Sherlocks em part-time. A principal virtude da estratégia finlandesa consiste em tratar os hiperdigitalizados alunos do primário como seres humanos tecnologicamente sofisticados, capazes de utilizar as tecnologias que dominam para “apurar os factos.”
Alguns certamente dirão que uma criança de nove, dez ou onze anos é incapaz de pensamento crítico. Enganam-se redondamente. Os dados demonstram-no de forma inequívoca. A Finlândia é um dos países menos vulneráveis às fake news e à desinformação. Esta resiliência não tem apenas que ver com a estratégia pedagógica que foi adoptada, como é evidente. Os finlandeses não estão a doutrinar os seus filhos. Estão a ensinar-lhes uma das mais veneráreis disciplinas da filosofia: a epistemologia. Um interessante efeito de contágio: os jovens investigadores aprendem depressa a interpretar criticamente os mais diversos conteúdos online e pelos vistos gostam de ensinar ciberepistemologia aos seus pais.