Entraram na universidade, mas não têm pressa de sair para o mercado de trabalho
Alexandra, Beatriz, Carolina e Luís acabaram de entrar na universidade, com vontade de encontrar uma oportunidade de emprego em Portugal no fim do percurso académico. No entanto, as condições actuais do mercado de trabalho deixam estes jovens reticentes.
No primeiro dia na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), um dos edifícios projectados pelo arquitecto Siza Vieira, o primeiro desafio de Alexandra Alves foi uma prova de desenho com o próprio sapato e a mão esquerda como protagonistas. E, de imediato, percebeu que iria gostar da universidade. Carolina Bento ingressou na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) e ficou encantada por parecer estar a entrar num museu. Na Faculdade de Letras da mesma universidade, Luís Ferreira aventura-se no curso de Arqueologia, após um ano dedicado a fazer melhorias da média do secundário. Já Beatriz Oliveira quer tornar-se uma profissional em Marketing. Os quatro jovens estão entre os 49.452 estudantes colocados na 1.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior público e seguem com o mesmo objectivo: tirar o máximo proveito do conhecimento e experiência que as universidades têm para oferecer, enquanto se preparam para um mercado de trabalho “difícil” e “exigente”.
Quando Beatriz Oliveira teve a primeira aula de Matemática para Gestão, na Universidade do Minho, descobriu um sistema de ensino completamente diferente do secundário que frequentou em Barcelos, mas não tem dúvidas quando diz que se vai adaptar facilmente. A integração é o primeiro passo na entrada na universidade e foi em conversa com os novos colegas de turma que Carolina Bento descobriu que “ficar excluído numa cidade nova é o medo de muitos jovens”. Também o valor das propinas e os preços do alojamento para os estudantes deslocados parecem estar entre as preocupações. “Apesar de as propinas terem vindo a baixar, existem muitos alunos, com ou sem bolsa de estudo, a passar por muitas dificuldades e que não sabem se conseguirão terminar os seus cursos”, desabafa Alexandra Alves, considerando que “são necessários mais apoios e incentivos ao ensino superior”.
Entre as primeiras aulas e a adaptação a novas cidades e escolas, todos esperam não se arrepender da opção de candidatura, mas nem todos sonharam com este curso desde sempre. Houve quem hesitasse e tenha optado por outra área e houve quem tenha acalentado a ideia desde o oitavo ano. Frequentar o ensino superior “esteve sempre nos planos” de Luís Ferreira, embora para trás fique a vontade de tirar uma licenciatura em História. O jovem de 20 anos, natural de Braga, é um dos 25 alunos colocados no curso de Arqueologia, na Universidade de Coimbra, e candidatou-se, pela segunda vez, porque acredita que “as universidades têm capacidade para formar bem os jovens e prepará-los para o mercado de trabalho”.
O fim da licenciatura ou mestrado ainda está distante, mas pensar nas possíveis saídas profissionais e naquilo que os aguarda no fim do curso já ocupa as mentes dos jovens que se deparam com a realidade do ensino superior. Aos 17 anos, Carolina considera que o “grau de qualificação exigido na maioria dos empregos” justifica a entrada na universidade. A escolha recaiu sobre a Universidade de Coimbra por ser a mais antiga do país e a mais próxima de casa. Factores semelhantes pesaram na decisão de Alexandra Alves, que “sempre soube que queria tirar um curso superior”. A jovem natural de Monção, no distrito de Viana do Castelo, quer ser arquitecta e considera “essencial ser-se diplomado” antes de iniciar uma carreira profissional. Em comum, as duas jovens têm ainda a vontade de “aproveitar ao máximo tudo o que a universidade tem para oferecer”, mas garantem “não ter pressa de terminar o curso”.
O que leva, afinal, os jovens a não ter pressa de sair para o mercado de trabalho? “O mercado actual está muito competitivo e somos muitos a sair formados na mesma área”, explica Beatriz Oliveira em entrevista ao P3. A jovem de 18 anos, agora estudante de Marketing na Universidade do Minho, quer investir em mais formação, mas não afasta a ideia de começar a trabalhar no fim da licenciatura. Considera que são “as chamadas soft skills que acabam por definir quem entra ou quem sai mais preparado do percurso académico”. “Para além da formação, os estudantes precisam de ter outras competências que os ajudem no início da carreira profissional. Estou contente por ver tantos jovens na universidade e por saber que têm apostado na formação e em adquirir mais capacidades, melhorando, consequentemente, a nossa oferta no mercado de trabalho”, desabafa.
Para Carolina Bento, a resposta está na reduzida oferta de emprego. “Se houvesse mais oportunidades de emprego em Portugal nas mais variadas áreas, cada estudante conseguiria seguir a formação pretendida sem tantos receios do futuro. Há um desequilíbrio de oportunidades que assusta muitos jovens que acabam de entrar para a universidade, bem como aqueles que estão agora a entrar no mercado de trabalho”, afirma a jovem natural de Leiria.
Alexandra, Beatriz, Carolina e Luís têm Portugal como primeira opção no que diz respeito à escolha do país onde querem trabalhar. No entanto, não descartam outras possibilidades. Para alguns estudantes, essa realidade começa a ganhar forma quando fazem as malas e vão estudar para o estrangeiro. “Desde que escolhi o curso de Arquitectura tive a percepção de que ficar em Portugal seria difícil. Trabalhar fora sempre foi uma opção que considerei, por isso é que pensei em fazer Erasmus”, revela Alexandra Alves, antecipando que a viagem é propícia para “perceber quais são as condições de trabalho que existem nesse país”.
Também com vontade de passar um semestre fora do país, Beatriz Oliveira aponta que “os jovens acabam por procurar emprego no estrangeiro para ter uma melhor remuneração e outras condições que, infelizmente, em Portugal estão aquém”. “Eu adorava poder trabalhar em Portugal e se conseguir vou sentir-me bastante realizada, mas reconheço que a oferta não é muita”, adianta a jovem de Barcelos, que espera tornar-se gestora de marketing.
Já Carolina Bento confessa que, “apesar de ter medo”, espera “encontrar uma oportunidade em Portugal”. Ficar no país de origem é também a escolha de Luís Ferreira. Quando tiver o certificado de conclusão da licenciatura quer dedicar-se à investigação e procurar emprego em Portugal. “É a minha prioridade ao sair da universidade. Sei que a área de Arqueologia não tem tanta saída no nosso país, mas se puder ficar é o que tenciono fazer”, diz.
Em Portugal, o risco de os jovens recém-licenciados ficarem desempregados aumentou 1,6 pontos percentuais em 2020, fixando-se agora nos 5,3%. Um estudo da Brighter Future, a plataforma gratuita da Fundação José Neves, refere também que, apesar de ter aumentado para todos os tipos de ensino, o risco de desemprego foi especialmente significativo no ensino superior privado, fixando-se agora nos 6,3%, seguido do ensino superior público politécnico, com risco de desemprego de 5,7% em 2020, e o ensino superior público universitário, com uma taxa de 4,6%. No segundo trimestre de 2021 havia 210 mil jovens que não estavam nem empregados nem a estudar.
