Sábado, 9 de Outubro, um belo dia de Outono fingindo ser Verão. Um dia perfeito para ir dar sangue no IPST, em Alvalade. Desinfectaram as mãos e mediram-lhes a temperatura no pulso. Entraram: só estava uma pessoa à espera
O heterossexual e a bissexual já tinham dado sangue (a homossexual também já, mas não em Portugal), e decidiram levar mais amigos para o fazer, porque: a) é quase sempre preciso dar sangue, e as reservas têm estado em baixo; b) é bom dar sangue, sentimo-nos bem e com um estranho e reconfortante calor no coração depois de dar (será essa a percepção física da generosidade?); e c) que melhor forma existe de obliterar a estupidez humana a não ser com bondade?
O heterossexual lançou a ideia aos amigos e colegas de trabalho depois de ter lido aquela notícia do professor de Medicina no Porto que afirmou que “não era recomendável” os/as homossexuais darem sangue porque “podem vir a transmitir a gerações futuras um gene indutor da homossexualidade”. Execrável, não é? Parece impossível, em Portugal, Europa, ano 2021. E se fôssemos todos dar sangue para boicotar esta forma de pensar? O pessoal gostou e combinou-se sábado, mas o maravilhoso dia de Sol dispersou alguns para a praia e para passeios, e ficaram só três. Lá foram.
Fica-se sempre um bocadinho nervoso. Tem de se preencher um formulário com algumas questões de âmbito pessoal (se viajámos, que medicamentos tomamos, se mudámos recentemente de parceiro/a, se alguma vez injectámos drogas, se alguma vez fomos operados, se já tivemos covid-19, etc.), mas nada excessivamente invasivo - só o suficiente para se perceber se o sangue pode ser doado certinho e direitinho. Nenhum desses dados é guardado. Os questionários são anónimos, cada um preenche o seu no seu lugar, com privacidade, e depois pode dobrar a folha para ninguém ver até se ser chamado por um/a médico/a.
Nunca, em nenhum momento, nos perguntam sobre a orientação sexual.
O heterossexual foi atendido primeiro. Tudo certo, encaminhou-se para a sala das colheitas, onde se deitou numa marquesa e o começaram a preparar para dar sangue. A bissexual não teve sorte. Como teve uma anemia no Verão, há muito pouco tempo, tinha de esperar até Janeiro para poder dar de novo. Paciência.
A homossexual teve de esperar um pouco mais. Tiveram de chamar uma médica que falasse inglês, pois, como reside há pouco tempo em Portugal e não fala bem português, é importante que todos se façam entender. Estava inquieta. Assim que chegou a médica, entrou no gabinete. Tudo correu bem. Saiu de lá com um sorriso tímido e nervoso, contente por poder dar. A meio da dádiva teve uma ligeira tontura, mas recuperou rapidamente. Os amigos ficaram preocupados, mas nada de grave. Faz tudo parte do processo. Podem ocorrer tonturas ou indisposição, pelo que podemos interromper o processo quando o entendermos.
Depois, os três amigos lancharam. Há sanduíches (a de chourição é a melhor), bolachas, sumos, fruta (maçãs e peras) e café. Também há um lanche vegan. Tudo gratuito, claro, há que subir a glicemia e a tensão.
Já disse que estava um dia de Sol estupendo? Por causa disso, o heterossexual, a bissexual e a homossexual decidiram ir a um jardim e comer uma fatia de tarte de chocolate. Conversaram longamente, há que tempos não estavam juntos e havia muito que pôr em dia. Sentiam-se alegres, leves, estava um dia mesmo bonito!
E é só isto. Em algum momento vos pareceu ser importante a orientação sexual de quem foi dar sangue? Não, pois não? É porque não é, de todo. O que é importante é que três amigos ou três cidadãos ou três pessoas foram dar sangue. Porque sim. Porque é preciso dar sangue. Porque queriam dar sangue.