Carlinhos da Sé, o vendedor que rompeu padrões de género no Porto
Nos idos dos anos 1960, muito antes da mobilização social pela liberdade, reconhecimento e autodeterminação das pessoas transgénero, uma figura peculiar, andrógina e extemporânea marcava o quotidiano da Ribeira e da Sé, no Porto. Entrámos na biblioteca humana destes bairros para resgatar a memória de Carlinhos da Sé, o vendedor ambulante de lingerie que abriu caminho à aceitação da diferença num Porto ainda conservador e analfabeto.
O tiquetaque dos tamancos no pavimento aproximava-se em crescendo da estreita Rua da Bainharia, na Sé, antecipando o eco de um pregão, no mínimo, singular. “É p’ròs bicos, é p’ròs bicos!”, entoava Carlinhos da Sé, enfiando a mão dentro da copa de um dos soutiens que se alinhavam na cesta que trazia no braço. Muitas vezes, o vendedor ambulante modelava as próprias peças, não só por acreditar na qualidade do produto, mas sobretudo porque estas faziam o seu gosto ao nível de indumentária. Envergava, normalmente, calças de terylene, vincadas, subidas e justas e, para cima, levava soutiens ou camisas largas, brancas, aos folhos ou floridas. O cabelo, cortado acima dos ombros e armado com a ajuda de um pouco de brilhantina, era igualmente invulgar para os estilos exibidos pelos homens na época.
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