Energia: um bem público
A transição energética promovida pelo Governo PS e comandada pela UE agravará a desigualdade competitiva da economia portuguesa.
Nas últimas semanas, com a aproximação do tempo frio, chegaram anúncios sobre o aumento dos preços da energia na União Europeia (UE), incluindo em Portugal. As causas apontadas pela Comissão Europeia, como o aumento da procura do gás após a retoma das atividades económicas, os baixos níveis de armazenamento ou o encarecimento das licenças de emissão de carbono no mercado europeu, não convencem. É evidente que a carestia dos preços da energia não está desligada do processo de liberalizações, privatizações e desregulações no setor ocorrido nas últimas décadas, cânones da economia neoliberal e levadas a cabo por sucessivos governos do PS, PSD e CDS com a bênção da UE.
Em Portugal, têm sido décadas com sucessivos governos a afirmar e priorizar uma política energética neoliberal, de subordinação à ordem da UE, com profunda subestimação e subalternização dos interesses nacionais e da economia portuguesa.
Com as privatizações e liberalizações, o Estado foi perdendo capacidade de defender os interesses dos consumidores domésticos e das empresas, fortemente afetadas na sua competitividade pelos elevados preços da energia. A realidade mostra que nem os trabalhadores, nem os consumidores beneficiaram com as privatizações e as liberalizações. Pelo contrário: aumentaram os preços, diminuiu o emprego com direitos, desrespeitaram-se os interesses nacionais e a soberania energética, ignorando problemas económicos, sociais e ambientais, desprezando a defesa de um serviço público de qualidade. E levou à criação e domínio do setor por poderosos grupos monopolistas, alguns como no caso da REN um monopólio natural, dominados pelo capital estrangeiro e sujeitos inteiramente à lógica da maximização dos lucros e da especulação financeira.
O défice energético, o domínio do setor por grupos monopolistas, os elevados custos da energia para os consumidores e empresas e a instrumentalização de problemas ambientais marcam a situação no setor da energia, sendo consequência direta do processo de liberalização e privatização.
A juntar a esta situação, as respostas de que o país precisa esbarram ainda: (i) na ausência de um planeamento energético (por exemplo, na política de transportes ou na redução de consumos) e na não concretização de programas para a eficiência energética; (ii) na segmentação e entrega a grupos estrangeiros de importantes ativos (como o caso da venda ruinosa de seis barragens da EDP ao consórcio liderado pela francesa Engie); (iii) no desenvolvimento desadequado da energia renovável (instrumento fundamental para a diminuição da dependência externa), porque está subordinado aos interesses e promiscuidade do capital monopolista; (iv) na manutenção da produção de biocombustíveis a partir de produção agrícola dedicada e no insuficiente aproveitamento de resíduos domésticos e industriais; (v) na especulação bolsista do CO2; (vi) os atrasos no uso racional da biomassa florestal ou (vii) a dependência financeira e tecnológica externa.
Sob a capa da sustentabilidade e da premência climática, as políticas de sucessivos governos, obedecendo às orientações da UE, caracterizam-se pela promoção em grande escala de produção subsidiada e/ou incentivada fiscalmente, pela subsistência das chamadas rendas excessivas — de facto lucros monopolistas (como foi concluído por Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia da República) à custa do elevado preço da energia pago pelos consumidores — ou por decisões erráticas, como o repentino anúncio de grandes investimentos no hidrogénio ou a antecipação do encerramento das centrais a carvão (alguns países, como a Alemanha, não abandonaram ainda este recurso).
A transição energética promovida pelo Governo PS e comandada pela UE agravará a desigualdade competitiva da economia portuguesa. Vale a pena referir o criminoso encerramento da refinaria de Matosinhos, a pretexto da transição energética, que, neste momento, em nada diminui a dependência que ainda temos de combustíveis, antes deslocaliza a sua produção, com a agravante de estes terem de ser importados (a par de importantes produtos intermédios da indústria química portuguesa), tornando o país mais dependente do exterior e acrescentando custo e impacto ambientais. Acresce ainda que a dita “transição justa” foi realizada à custa dos trabalhadores, que perderam os seus postos de trabalho, sem direito a qualquer reconversão ou formação, tendo apenas o desemprego.
O que se exige é que Portugal possa mobilizar os meios para investimento público, que está fortemente condicionado pelo Pacto de Estabilidade e pelo défice estrutural zero nele incorporado.
Opusemo-nos, desde o primeiro momento, ao processo de privatizações e liberalizações, defendendo a soberania energética e a segurança do abastecimento, preços acessíveis e ajustados à evolução da economia e um serviço público de qualidade, o que implica o controlo público do setor, com o respeito dos direitos dos trabalhadores e consumidores. A energia é um bem público e o fornecimento e acessibilidade energética são um serviço público essencial. O setor energético, como setor estratégico de um país, é vital para a sua independência e soberania. Subordiná-lo a interesses privados nacionais e transnacionais é uma afronta à soberania e independência nacional, aos direitos dos trabalhadores e das populações. A vida está a dar-nos razão.