Sociedades modernas não estão a resistir à doença coronária?

A doença coronária resulta da acumulação de placas de aterosclerose nas artérias que irrigam o coração. Isso pode acontecer ao longo de anos, a partir dos 20-30 anos de idade, e sem causar qualquer sintoma. Esta quarta-feira assinala-se o Dia Mundial do Coração.

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Rui Gaudencio

A doença cardiovascular é a principal causa de morte na Europa e no mundo e prevê-se que assim se mantenha pelo menos até 2030.

Em 2010, a Organização Mundial de Saúde estabeleceu como meta para 2025 uma redução em 25% da mortalidade por doença cardiovascular. Entretanto, a mortalidade cardiovascular caiu 9% nas mulheres e 11% nos homens nos países desenvolvidos. Contudo, alguns desses países (Portugal, Espanha, Itália, Malta, Polónia e Israel) não parecem estar a acompanhar esta tendência.

A doença coronária resulta da acumulação de placas de aterosclerose nas artérias que irrigam o coração. Isso pode acontecer lentamente ao longo de anos a partir dos 20-30 anos de idade e sem causar qualquer sintoma. Por vezes, quando essas placas atingem um determinado volume o calibre da artéria fica reduzido e podem começar a aparecer sintomas como dor ou pressão no peito em situações de esforço físico (angina de peito) ou cansaço desproporcionado. Outras vezes, contudo, manifesta-se como um evento súbito (ataque cardíaco ou enfarte do miocárdio), geralmente quando um coágulo oclui uma artéria coronária interrompendo assim completamente o fluxo sanguíneo para uma determinada área do coração. Não é raro, contudo, que possa haver enfarte do miocárdio sem que haja sintomas ou que esses sintomas sejam ligeiros e interpretados de outra forma, por exemplo como um mal-estar gastrointestinal.

Não existe uma causa única para a doença coronária. Vários factores podem, isoladamente ou em conjunto, contribuir para aumentar esse risco. A idade, sexo masculino e história familiar são factores de risco não modificáveis. Contudo, e felizmente, a maior parte dos factores de risco são modificáveis. O tabagismo, obesidade, dieta pouco saudável, sedentarismo, consumo excessivo de álcool, hipertensão, diabetes e dislipidemia (níveis sanguíneos elevados de colesterol e/ou triglicéridos) são os clássicos. O isolamento social, a solidão, o stress ou perfis de personalidade mais ansiosos também podem contribuir. Pelo menos um terço da população portuguesa terá pelo menos um dos 4 principais factores de risco modificáveis: hipertensão, colesterol elevado, tabagismo ou diabetes. Vejamos:

Em Portugal cerca de um quarto da população tem Hipertensão arterial (HTA) diagnosticada. É possível que uma proporção adicional de magnitude semelhante seja hipertensa mas ainda não diagnosticada. A HTA acontece quando a pressão sanguínea dentro das artérias é demasiado alta. Frequentemente isso acontece de forma totalmente assintomática e por isso a HTA é muitas vezes chamada de assassina silenciosa. A única maneira de se saber se é ou não hipertenso/a é medir a pressão arterial. A HTA pode ser controlada com alterações no estilo de vida, como a mudança de hábitos nutricionais, incluindo a redução no consumo de sal e aumento da actividade física. Alimentos processados e pré-confeccionados, queijo, enchidos, pão e aperitivos são importantes fontes de sal na dieta portuguesa. Quando a pressão arterial se mantém acima dos 140/90 mmHg muitas vezes é necessário iniciar medicação. Pessoas com um risco cardiovascular mais alto (por exemplo: com diabetes, história de enfarte ou AVC) podem precisar de começar a fazer medicação mesmo para níveis de pressão arterial mais baixos.

Níveis altos de colesterol no sangue (hipercolesterolemia) podem ser evitados e consequentemente evita-se a doença coronária! O colesterol é uma gordura produzida pelo nosso fígado e também está presente em certos alimentos. Se consumirmos colesterol em excesso ou se o nosso fígado tiver tendência genética para produzir mais colesterol do que precisamos, este pode se acumular nas artérias reduzindo assim o fluxo sanguíneo para determinados órgãos vitais.

O colesterol circula no sangue ligado a proteínas. As que levam o colesterol para as artérias onde se acumulam e formam placas (LDL ou mau colesterol) e as proteínas que retiram o excesso do colesterol das artérias e as conduzem de volta ao fígado para serem eliminadas (HDL ou bom colesterol). Níveis desequilibrados de colesterol no sangue não causam geralmente sintomas. A única maneira de saber qual é o nosso perfil de colesterol é através de análises sanguíneas. O nível de colesterol total considerado normal é de 190 mg/dl. Dietas pobres em gorduras saturadas (gordura animal), elevado consumo de fibras (vegetais e frutas) e actividade física regular tendem a reduzir o colesterol sanguíneo. Nalguns casos pode ser necessário recorrer a medicamentos para diminuir os níveis. Pessoas com risco cardiovascular elevado podem precisar de fazer medicamentos para baixar o colesterol (estatinas) mesmo que estes estejam dentro do nível considerado normal para a população geral.

Sobre a relação entre diabetes e doença coronária importa saber que o organismo humano utiliza a glicose (açúcar) como fonte de energia. A insulina é uma hormona produzida pelo pâncreas que ajuda a glicose proveniente da alimentação a entrar nas células. A diabetes estabelece-se quando o pâncreas não consegue produzir insulina suficiente para a glicose consumida ou quando as células se tornam resistentes à acção da insulina. Nesses casos o açúcar acumula-se no sangue (hiperglicemia) e pode danificar as artérias de quase todos os órgãos incluindo coração, cérebro, rins e retina.

A diabetes aumenta significativamente o risco de mortalidade por doenças cardiovasculares. Tal como a hipertensão e o colesterol elevado, a diabetes pode não causar sintomas. Para se fazer esse diagnóstico é necessário medir o nível sanguíneo da glicose (glicémia) através de análises. Se após jejum a glicemia for maior que 126 mg/dl ou, em qualquer altura, a glicémia for maior que 200 mg/dl é feito o diagnóstico de diabetes. Cerca de 10% da população portuguesa tem diabetes. A melhor forma de prevenir e tratar a diabetes passa pelos hábitos alimentares, actividade física regular e controlo do peso. Frequentemente a medicação e/ou administração de insulina são necessárias para ajudar a controlar a diabetes. Nalguns casos, mesmo quando a glicemia está controlada, o médico pode prescrever medicamentos antidiabéticos, anti-hipertensores e/ou estatinas para reduzir o risco de ocorrência de enfarte do miocárdio ou acidentes vasculares cerebrais (trombose).

Por fim, o tabagismo este é um dos principais factores de risco para a doença coronária e aumenta significativamente o risco de morte precoce (antes dos 70 anos). Mesmo os fumadores passivos têm um risco maior de doença cardiovascular. Os químicos presentes nos cigarros danificam directamente as artérias, a nicotina aumenta a pressão arterial e o monóxido de carbono presente no fumo diminui a quantidade de oxigénio transportada pelo sangue. Em Portugal cerca de 10% das mulheres e 25% dos homens adultos fumam diariamente.

Dada a elevada frequência de factores de risco na população, a natureza dos sintomas por vezes ligeira ou pouco específica e, principalmente, as graves consequências da doença coronária não tratada é importante frisar que a avaliação médica não deve ser adiada.

Resistir à doença coronária é um esforço que passa pela alteração de comportamentos da sociedade agir perante a prevenção e tratamento dos factores de risco evitáveis que aqui descrevi, mas passa também pela acção rápida em caso de evento súbito. Perante sinais de ataque cardíaco ou enfarte do miocárdio, não se pode desvalorizar ou adiar o contacto imediato com os serviços de saúde. Na maior parte dos casos será necessário efectuar um electrocardiograma e análises sanguíneas para determinar se os sintomas podem estar relacionados com eventual enfarte do miocárdio. Caso a suspeita se confirme, geralmente será recomendado fazer um cateterismo cardíaco de urgência. Quanto mais célere for o processo maior é a probabilidade de “abortar” o enfarte ou que este deixe apenas sequelas mínimas. Quando está em causa um enfarte agudo, o tempo é miocárdio.

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