Os dias da nossa impotência

É preciso apoiar os países vizinhos que, neste momento, albergam 90% dos afegãos refugiados e é necessário garantir asilo aos que, de entre eles, procuram uma nova oportunidade de vida na Europa. Não podemos “lavar as mãos” e fazer de conta que não é nada connosco.

“A solidariedade não é facultativa”
Jorge Sampaio

Quase vinte anos depois da invasão do Afeganistão e de um esforço brutal de investimento na criação de uma estrutura de Estado e de formação de forças de defesa e segurança, bastou o início da retirada das tropas norte-americanas para que tudo ruísse fragorosamente e os taliban rapidamente retomassem o controlo e o governo do país.

Não há que hesitar na conclusão: tudo falhou, desde o início, nesta intervenção militar que, recorde-se, nunca foi autorizada pela ONU.

Ao longo do tempo, a ocupação foi-se tornando cada vez mais insuportável e insustentável para os EUA e para os seus aliados. O Afeganistão mostrou-se um sorvedouro de vidas e de dinheiro, sem que se assistisse – como agora ficou ainda mais evidente – a uma efetiva mudança modernizadora e democratizadora.

A viragem dos interesses dos EUA para a região do Índico-Pacífico e a necessidade de concentrar energias na coesão interna e na recuperação da crise provocada pela pandemia tornaram cada vez mais injustificável – sobretudo no plano interno – o esforço da manutenção da presença militar.

Mas nada disto justifica a forma atabalhoada da retirada. Sem coordenação com os aliados e sem acautelar a retirada de todos os nacionais dos diferentes países envolvidos em variadas missões. Mas também dos afegãos que colaboraram com países estrangeiros, dos artistas, jornalistas e ativistas de Direitos Humanos e das suas famílias.

A comunidade internacional tem uma obrigação moral de ajudar estas pessoas e as outras que permanecem no país. Torna-se, pois, absolutamente obrigatório e urgente abrir corredores que permitam a evacuação dos que necessitam e a entrada de ajuda humanitária para os 18 milhões de afegãos cuja sobrevivência depende da mesma. É preciso apoiar os países vizinhos que, neste momento, albergam 90% dos afegãos refugiados e é necessário garantir asilo aos que, de entre eles, procuram uma nova oportunidade de vida na Europa. Não podemos “lavar as mãos” e fazer de conta que não é nada connosco.

O discurso de Josep Borrell, o Alto Representante da UE, no recente plenário do Parlamento Europeu revela bem a nossa impotência: tudo o que nos resta é negociar com os taliban. Isso não pode representar o reconhecimento do seu governo. Mas, neste momento, é a única oportunidade de podermos valer aos que deixamos para trás.

O crescimento do fluxo de refugiados é inevitável, ainda que se anteveja longe do provocado pela guerra na Síria. Acontecerá, lamentavelmente, sem que tenhamos aprendido com o que aconteceu em 2015 e tenhamos sido capazes de construir ao longo destes anos uma verdadeira política europeia de imigração e asilo. Sem que tenhamos sido capazes de, no mais integral respeito pelo princípio da solidariedade inscrito nos tratados, estabelecer um sistema de recolocação baseado na solidariedade obrigatória, que não deixe os países de fronteira sozinhos a assumir a responsabilidade que é de todos.

Os EUA estão de volta? Estão! Mas nem eles, nem nós somos mais os mesmos. A necessidade da aposta na autonomia estratégica da Europa em matéria de segurança e defesa é uma lição que terá de ser mais rapidamente assimilada. E tirar daí as ilações necessárias, que têm de ir além de palavras e boas intenções.

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