Marchar agora, para não nadar amanhã

Mais do que nunca, o debate climático deve ser trazido para os círculos de discussão em todas as esferas. E ao movimento climático cabe a responsabilidade de democratizar e espelhar essa mensagem. Não existem milagres, heróis ou radicalismos que possam resolver o problema. A solução é o esforço mútuo.

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daniel rocha

O sexto relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) traz muitas dúvidas sobre o futuro, mas também uma certeza: é certo que estamos a viver uma crise climática e nós somos os culpados.

Somos os culpados por aquecer o oceano nos últimos 50 anos e igualmente responsáveis pela sua acidificação. Somos os culpados pelos eventos de calor extremo que foram observados na última década e causaram tantos estragos. E no futuro, quando o Árctico ficar sem gelo marinho no pico do Verão, seremos também os culpados.

Essas são apenas algumas das conclusões científicas que o relatório nos traz. É importante citar que o relatório apresenta um nível de confiança muito grande dentro da comunidade científica. É feito e revisto por centenas de cientistas de todo o mundo e também prefere o conservadorismo ao alarmismo nas suas afirmações. Se o relatório aponta para o desastre, devemos preparar-nos para a calamidade generalizada. 

Devemos reflectir política e socialmente a respeito dos números que o relatório nos traz. Mais importante do que saber que o planeta aqueceu 1,1ºC, convém saber quais serão as implicações da continuidade desses efeitos climáticos na nossa vida prática. Sabemos que, a médio e longo prazo, a crise climática nos levará para um planeta Terra onde as condições de vida humana são muito diferentes das que hoje conhecemos. Mas se queremos combater essas mudanças precisamos de um grande esforço conjunto das instituições democráticas, o que inclui a sociedade civil.

Esse esforço não será alcançado sem uma mudança drástica na forma como falamos sobre a crise climática. Ao invés do futuro distante, precisamos falar do presente. Ao invés de números estatísticos, devemos falar sobre a comida que está na mesa das pessoas. Mais do que nunca, a narrativa sobre as mudanças climáticas precisa descer do pedestal do elitismo científico e ir para a boca da população comum, e para isso precisamos alertar sobre o que já está a acontecer, aqui na Europa e em todo o mundo.

Madagáscar é um país insular na costa de África, com pouco mais do que o dobro da população portuguesa. Hoje, 1,14 milhões de pessoas no país estão em situação de insegurança alimentar por causa das alterações climáticas. Madagáscar é hoje o primeiro país a sofrer de fome extrema como consequência da crise climática. Devido às secas, gafanhotos, cactos e barro passaram a ser comida para milhares de habitantes do país. O relatório do IPCC mostra-nos que o que hoje é Madagáscar, amanhã podemos ser nós.

Da fome extrema à crise de refugiados, a crise climática é causada pela irresponsabilidade e ganância humanas, mas os efeitos não penalizam os culpados nem se reduzem ao clima. As frequentes ondas de calor extremo, acidificação das águas e secura dos solos proporcionarão um efeito de migração em massa quando mais aldeias, cidades e países apresentarem condições inóspitas para a vida humana. Em Abril, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados divulgou dados que mostram que o número de refugiados climáticos cresceu para mais de 21,5 milhões de pessoas desde 2010.

É extremamente complexa a resolução da crise climática e será impossível de resolver sem uma franca conversa e contribuição entre a comunidade científica, as instituições governamentais, as grandes empresas e a sociedade civil, com a colaboração da comunicação social. Mais do que nunca, o debate climático deve ser trazido para os círculos de discussão em todas as esferas. E ao movimento climático cabe a responsabilidade de democratizar e espelhar essa mensagem. Não existem milagres, heróis ou radicalismos que possam resolver o problema. A solução é o esforço mútuo.

No dia 24 de Setembro, a Greve Climática Estudantil dará mais um passo rumo ao encontro com a sociedade civil. Convocamos todas as pessoas a irem para as ruas connosco para um grande acto cívico que pedirá acções mais efectivas contra a crise climática. Precisamos marchar hoje, para não termos que nadar amanhã.

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