Olímpia, deuses, semideuses, atletas e coisas sem e com sentido nacional

Os quatro atletas medalhados por Portugal são deuses que sobrevivem ao comportamento problemático do Estado e às malfeitorias da política pública.

Os cidadãos de Olímpia são os 11.675 atletas de 206 nações que cumpriram os mínimos desportivos e éticos definidos pelas leis olímpicas e estão presentes em Tóquio. De 4 em 4 anos competem para definirem a qualidade desportiva do primeiro ao último classificado em cada uma das 46 disciplinas desportivas. Os melhores ficam em primeiro lugar dividindo-se em agrupamentos de valor desportivo homogéneo: os medalhados, os diplomados e os restantes.

Os custos e os benefícios do sucesso olímpico

As competições são públicas e transmitidas para todos os países do mundo, alcançando um máximo de 3,5 mil milhões de telespectadores nos megaeventos do passado.

O actual valor da organização dos Jogos Olímpicos rondará os 14 mil milhões de dólares americanos dependendo da qualidade organizativa do país anfitrião. Os custos de realização do megaevento são elevados e podem ser irrecuperáveis devido a ameaças de terrorismo internacional, como aconteceu em Atenas 2004, e acontece com a pandemia em Tóquio 2020 obrigando a custos extraordinários. Outros países por opção política ou por dificuldades de contenção de custos já alcançaram níveis de custo próximos dos 50 mil milhões de dólares americanos.

Os principais beneficiários são sectores dos serviços e das indústrias que vendem os seus produtos ao megaevento. Análises cuidadosas aos fluxos económicos gerados apontam para custos superiores às receitas para alguns Jogos Olímpicos. Outros apresentam lucro, nomeadamente os países que os organizaram várias vezes. Apesar das ameaças de um défice irrecuperável os países candidatam-se à organização dos Jogos Olímpicos como acontece com os 3 aprovados até 2032.

A decisão dos estadistas

O objectivo dos países do mundo nos Jogos Olímpicos é o de conquistarem o ouro sagrado, sem desmerecer todas as prestações. Os seus estadistas sabem que o custo de criar e manter uma população desportiva e terem campeões olímpicos é largamente compensado pelo valor económico e social criado. Esses líderes têm a certeza da inexistência de risco público das decisões de política desportiva em promoverem o bem-estar de toda a sua população e maximizarem os benefícios desportivos.

Para que servem os Jogos Olímpicos?

Os Jogos elegem os deuses e as deusas e a sua corte de semideuses e semideusas do Olimpo. Idealizados por Pierre de Coubertin há mais de 100 anos o mundo reconhece que os Jogos Olímpicos são a competição suprema onde todos são iguais e as nações competem com os melhores atletas da sua juventude a quem asseguram correctas condições de trabalho e de vida.

Patrícia Mamona, Pedro Pichardo, Jorge Fonseca e Fernando Pimenta fizeram-se deuses do Olimpo porque subiram o monte de Sísifo, competição após competição, cumprindo as regras olímpicas com ética e saber e, agora, reiniciarão o trajecto para Paris 2024.

Estes 4 deuses são portugueses excepcionais que são capazes de se ultrapassar física e psiquicamente, batendo recordes nacionais quando é exigido. Fazem-no com humildade e dedicação e recebem o reconhecimento de todos. Só os deuses são capazes de chegar ao Olimpo pelo seu génio e por “subirem aos ombros de gigantes”. No passado houve uma plêiade de deusas e deuses do Olimpo do atletismo nacional que subiram aos ombros de Moniz Pereira e outros gigantes e que a política pública cerceou a vitalidade.

Os 4 atletas medalhados por Portugal são deuses que sobrevivem ao comportamento problemático do Estado e às malfeitorias da política pública. Os semideuses são os bons atletas que poderiam ter sido deuses e soçobraram nas barreiras institucionais colocadas pelo Estado ao seu desenvolvimento de médio e longo prazo.

O que significam as 4 medalhas de Tóquio?

O atletismo português hoje está diferente nas condições de treino e em disciplinas distintas da década de 90 e tem desafios muito grandes como indicaram Jorge Vieira e uma responsável do Benfica numa televisão.

Desde os anos 80, momento da entrada de Portugal na CEE, que o Estado e os governos nacionais evitam que o financiamento de longo prazo, como o PRR, tenham o desporto da população e da juventude como prioridade.

Em média Portugal deveria ter 10 medalhas por Jogos Olímpicos. Em Atenas 2004 teve 3 medalhas, caiu para 2 em Pequim 2008, ficou em 1 em Londres 2012 e igualou 1 no Rio de Janeiro 2016. Ao fim de 16 anos conquista 4, um valor menor face ao potencial.

Apesar do aumento de 400% em Tóquio, nota-se em vários níveis a falta de uma estratégia nacional. As organizações desportivas não debatem os desafios, as alternativas de futuro, as políticas do passado, as futuras e o modelo de desporto.

A escassez de fibra de liderança é significativa e no Estado faltam líderes com literacia desportiva sólida e de vontade política inquebrantável como exigem aos atletas que a tenham. A fragilidade de liderança é catastrófica quando a iliteracia desportiva é propagada por toda uma corte de funcionários corporativos.

Há modalidades que falharam Tóquio 2020 como o futebol e o râguebi e faltam novas gerações a modalidades cuja estagnação ou desenvolvimento insuficiente ficou patente.

No caso do bom momento do atletismo, do andebol e do judo surge o receio que, tal como aconteceu com o atletismo e o triatlo no passado, venham a perder futuramente os ganhos caso o Estado mantenha a imperícia vigente.

O que fazer de Portugal?

Nos 50 anos do regime corporativo os resultados desportivos europeus foram escassos e o regime democrático tem indicadores mais elevados e iguais na comparação europeia. Trata-se de uma situação inaceitável. As actuais condições de política pública atingem o futebol que de novo não teve meios para a prata olímpica dos espanhóis e apenas o atletismo sobressai de novo.

Maus líderes procuram que os atletas interiorizem a culpa da insuficiência de resultados desportivos. Em consequência desta manipulação da política pública os atletas e as federações, associações e clubes são impedidos de decidirem as suas condições óptimas de trabalho e, também, se disserem que “o rei vai nu” sabem que levam. No desporto, tal como no país, há medo em “democracia”.

Os estadistas portugueses estarão confusos em relação ao desporto da sua população e da sua juventude a quem viciaram a verdade no PRR. A população e a juventude que são o ouro nacional é um alvo habitual de actos de segregação política.

A situação de fraude e de crime de direitos humanos por órgãos do Estado têm séculos e têm sido recorrentes. Vejam-se o serviço de estrangeiros e fronteiras, as forças de segurança e as Forças Armadas, as falhas da educação, das universidades e respectivas praxes “académicas”, as lacunas de remuneração aferidas por salários mínimos sem limites face à formação e competência adquiridas. As condições de remuneração mínimas promovem a pobreza geracional no momento em que é urgente contrariar a dupla crise do envelhecimento e da natalidade da população.

A confusão pública contra a população e a juventude é a de um país que se suicida.

O desporto está envolvido num dos ciclos nacionais de retorno nocivo em que os resultados negativos das políticas públicas, contribuem para a marginalização económica e social dos jovens e aceleram a rotura humana e comunitária.

Tem sido esse o caso dos clubes e das federações levados à falência desportiva e à pobreza comunitária de dezenas de clubes estropiados pela incompetência do Estado. Clubes como o Sporting, primeiro, e, depois, o Benfica são exemplos e nada é realizado pelo Estado para lhes assegurar um futuro. O Estado e os seus líderes aspiram ao empresário americano ou qualquer outro na destruição do valor comunitário criado por gerações de adeptos desportivos nacionais? O Barcelona e o Real Madrid são espanhóis.

As indústrias nacionais como a P&R e as Canoas Nelo apenas se podem queixar do Estado por não lhes abrir o mercado de ter a totalidade da população portuguesa com estilos de vida activos através da prática desportiva.

O desporto nacional nada apresenta às nações que lhe estão mais próximas, por razões históricas e tantas vezes pelo sangue que corre nas veias da população. Os espanhóis têm políticas em curso direccionadas para as nações africanas que falam português. Não brincam com o desporto quando se trata de terem uma equipa de futebol em todos os Jogos Olímpicos. Os estadistas espanhóis provam o seu valor com factos e políticas públicas assertivas ganhando muito e afirmando “nós temos sucesso desportivo a começar pelo futebol, estamos nos primeiros lugares dos rankings europeus e mundiais e dispomo-nos a partilhar convosco esse conhecimento”.

Quando o desporto e a juventude foram expurgados da Presidência do Conselho de Ministros, em 2015, os líderes associativos não reagiram e tiveram panos quentes para calar a insatisfação federada, como demonstram as entrevistas e artigos nos media.

Os últimos 20 anos ensinam que o desporto e as suas federações não podem confiar no que dizem e fazem os estadistas nacionais e devem ser corajosos a afirmar as posições que mais interessam ao associativismo desportivo, à população e à juventude.

Alternativas

Sendo o todo desportivo insuficiente, discutir apenas as medalhas e os diplomas será um erro que ampliará a iliteracia.

Os dirigentes das federações desportivas como Jorge Vieira, António José Silva e Luís Ahrens Teixeira indicam lacunas e erros e apontam soluções as quais deveriam ser estruturadas visando a transformação do Modelo Português de Desporto. Na base da actividade desportiva há que conseguir que “100%” da população e da juventude tenham hábitos regulares de actividade física e desportiva e há salvar os clubes nas suas comunidades locais.

Na pirâmide de competências do alto rendimento e do desporto profissional há que dar condições aos clubes locais para que os seus atletas, semideuses e deuses olímpicos subam a sua produtividade e competitividade acima das médias europeias.

O desporto português deveria começar por nomear uma comissão de atletas, treinadores, dirigentes associativos, de investigadores universitários, de personalidades, e outros parceiros relevantes, sendo todos de reconhecido mérito nacional. O objectivo dessa Comissão seria avaliar com competência e independência (do Estado, do sistema partidário e das estruturas directivas do sector) a situação do desporto português visando a definição dos resultados a alcançar no século XXI.

A Comissão elegeria o seu presidente, o seu modo de actuação, a sua constituição (incluindo a nomeação de novos membros e parceiros), as condições de trabalho (os métodos de investigação, de inquirição de especialistas e análise de resultados,...) e o seu orçamento (a apresentar ao Estado para o financiamento total e sem estar sujeito a quaisquer cabimentos das finanças), entre outros pontos.

A Comissão teria um prazo de 180 dias para apresentar publicamente com total independência os seus resultados à comunicação social, entregando depois os documentos e as propostas aos órgãos do Estado, às organizações do desporto e a outros parceiros.

Dentro de 50 anos outro falará sobre o mérito da política pública portuguesa de 2021.

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