Nada Contra, Mas
A brasileira Samara Washington não veio para Portugal “roubar maridos”
Julgava que a língua ia facilitar a comunicação, mas já esbarrou muitas vezes com o preconceito: desde recusarem-se a falar com ela em situações profissionais por causa do seu sotaque a acusarem-na de ter vindo “roubar maridos”. Quinto episódio da série Nada contra, mas... Testemunhos na primeira pessoa para ver sem preconceitos e sem "mas".
Eram para ser só uns anos. Samara Washington, brasileira com 35 anos, veio para Portugal para fazer um mestrado e acabou por ficar. Julgava que a língua ia facilitar a comunicação, mas já esbarrou muitas vezes com o preconceito: desde recusarem-se a falar com ela em situações profissionais por causa do seu sotaque a acusarem-na de ter vindo “roubar maridos”.
Quando as pessoas percebem que é brasileira, Samara sente a pressão aumentar. “Você não pode errar, não pode ter algum comportamento ou vestir-se de uma maneira porque vão julgar-te por isso”. E não só. Pelo sotaque também. Depois de seis anos em Portugal, Samara “ainda” tem um sotaque carregado, uma aparente contradição a julgar pelos comentários que lhe são dirigidos. “O português não considera o português do Brasil uma língua.”
Samara já foi chamada à atenção no trabalho porque um cliente não gostou de ver expressões brasileiras escritas nos emails. Expressões como “por gentileza”. “Eu não tinha sido mal-educada, mas eles perceberam que eu sou brasileira e implicaram comigo”. A sua avaliação já veio com uma nota para melhorar o português europeu.
Ultrapassada a barreira da língua, surgem outros preconceitos. Samara ainda estava a estudar quando começou a procurar emprego e recorda duas entrevistas em que foi posta de lado por ser uma mulher brasileira. “Estava esperando uma resposta e o suposto empregador chegou ao pé de mim e disse que não me poderia contratar porque não sabia como se iria controlar ao meu lado. E eu pensei, como assim, controlar-se?”
Da segunda vez, uma posição numa seguradora foi-lhe negada por receio de que Samara acabasse por “seduzir os clientes”. A imagem de sedutora já foi tantas vezes associada a ela que deixou de ligar. “Uma vez eu saí do trabalho para ir comprar um café e, no meio do caminho, uma pessoa percebeu que eu era brasileira e me chamou de puta. Uma amiga minha que é portuguesa ouviu e perguntou: 'Não vai fazer nada?'. Eu não, já estou acostumada”.
Samara Washington não respondeu ao insulto, mas há conversas que não quer deixar de ter. Com os portugueses, sobre os seus preconceitos. E sobre o verdadeiro contributo dos imigrantes para as contas da Segurança Social. Em 2019, a Segurança Social obteve um saldo positivo de 884,4 milhões de euros com os imigrantes.
“Pode ser um assunto, maçante, batido. As pessoas dizem que já chega de falar disto. Mas não chega. Porque se a gente não fala, as pessoas nunca vão saber como é que é.”