Nada Contra, Mas
Gil Rodrigues: mudar os pronomes não tem de ser um “puzzle mental”
A voz calma e o sorriso tímido deste jovem de 21 anos contrastam com a violência diária que descreve como parte do quotidiano da comunidade trans. Terceiro episódio da série Nada contra, mas... Testemunhos na primeira pessoa para ver sem preconceitos e sem "mas".
Aceita apresentar-se como “homem trans”, mas esta é apenas uma caixinha que simplifica o turbilhão de sentimentos que fazem bater o coração de Gil Rodrigues. A voz calma e o sorriso tímido deste jovem de 21 anos contrastam com a violência diária que descreve como parte do quotidiano da comunidade trans.
Uma visita ao médico por causa de um pé partido pode transformar-se num questionário sobre as opções mais íntimas do seu ser. Uma oportunidade de trabalho ou de habitação podem ser rejeitadas por causa de uma aparência fora da norma. Um simples passeio na rua pode atrair insultos e agressões.
“Os níveis [de violência] a que estamos sujeitos são absolutamente incríveis e eu não acho que ninguém acorde um dia e diga: 'Vou passar por todo este leque de violências em todos os dias da minha vida só porque me apetece'”, garante Gil Rodrigues.
Gil nasceu num corpo feminino e iniciou a transição no final da adolescência para um corpo que correspondia melhor à sua realidade. E sofreu na pele as consequências desta decisão. “Nós estamos literalmente só a tentar viver a nossa vida. E eu acho que isso é a coisa mais vulnerável e menos ameaçadora que pode existir”, lembra.
Ainda assim, considera-se um privilegiado. É branco, parece um rapaz e isso basta para evitar uma boa parte dos abusos dirigidos a outras pessoas trans. Quem, “por não querer ou porque quer que assim seja”, não encaixa nos padrões do que deve ser um homem ou uma mulher, “vai continuar a sofrer de violência porque a sociedade não tem capacidade de englobar e integrar”.
Outra reacção comum são as perguntas que se fazem com uma naturalidade que arrepia, como se uma pessoa trans estivesse automaticamente à vontade para falar com qualquer um sobre a sua intimidade. “É importante falar e perguntar mas, ao mesmo tempo, respeitar que aquela pessoa não existe só para responder às nossas perguntas e há meios à nossa volta para nos esclarecermos”. E mudar o pronome com que se trata alguém que conhecemos não tem de ser um “grande puzzle mental”.
Se há alguma característica que distingue as pessoas trans, Gil só se lembra de uma: “empatia”. “Se calhar, aprendemos o que é ter um barril inesgotável de paciência e o que é ser excluído e marginalizado. Ter de ter empatia. Sentir-se com falta de segurança. E todas estas coisas que constroem uma pessoa.”