O acesso privado ao espaço é um bem para toda a humanidade
Estará Pedro Filipe Soares realmente de acordo que o acesso ao espaço fique apenas nas mãos da China, da Rússia e dos EUA? Recordemos que, sob Trump, os EUA tinham praticamente paralisado as Ciências da Terra baseadas no espaço. O crescente sector de voos espaciais privados trará melhorias revolucionárias à nossa compreensão da mudança climática.
No passado dia 23 de Julho, no PÚBLICO, Pedro Filipe Soares, presidente do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, atacou com violência o fenómeno embrionário do turismo espacial privado. A sua crítica não é apenas excessivamente virulenta, quando fala da “completa ausência de empatia” e “um insulto a todos nós”, como é também taxativamente falsa, quando diz que há toda uma elite que “prepara a sua fuga de um planeta em agonia”, ou seja, que pretende deixar a Terra para sempre. Obviamente, ninguém está a deixar a Terra para sempre. Após as suas curtas viagens, os turistas espaciais irão retornar e viver a sua vida na Terra como todos nós. Quando invoca um futuro de bilionários a fugir da Terra nas suas naves espaciais e diz que “a ficção científica corre o risco de se tornar realidade”, trata-se claramente da sua própria confusão entre o que é a ficção científica e a realidade.
O autor ataca esses bilionários por fugirem à tributação das suas fortunas. Uma crítica válida, mas também parcialmente mal direccionada. É verdade que muitos deles dificilmente terão alguma vez pagado uma quantia justa de impostos, mas também é verdade que essa evasão ocorreu principalmente dentro dos limites da legalidade. Assim, mais do que atacar exclusivamente os bilionários, Pedro Filipe Soares deveria talvez olhar também para a classe política a que pertence e que inexplicavelmente – ou talvez não tão inexplicavelmente – tem permitido essa evasão durante décadas. E lembre-se também que muitos desses bilionários criaram mais riqueza e mais emprego do que qualquer membro da classe política. Para além do mais, no caso de Elon Musk, foi ele que a pulso iniciou a transformação do sector dos transportes rumo a um futuro de emissões zero. O seu empreendedorismo inovador desbravou caminho de uma maneira que nunca poderia ter sido alcançada apenas com legislação.
Pedro Filipe Soares acusa ainda os novos empresários do espaço de poluir o ambiente e deixar a factura ambiental a cargo de terceiros. No entanto, os voos espaciais privados e, por conseguinte, um acesso muito mais barato ao espaço tornarão possível a muitos mais cientistas estudar a Terra e, através da observação baseada no espaço, analisar as alterações climáticas. Estará Pedro Filipe Soares realmente de acordo que o acesso ao espaço fique apenas nas mãos da China, da Rússia e dos EUA? Recordemos que, sob Trump, os EUA tinham praticamente paralisado as Ciências da Terra baseadas no espaço. O crescente sector de voos espaciais privados trará melhorias revolucionárias à nossa compreensão da mudança climática.
Sim, mas isso diz apenas respeito aos satélites e não aos turistas espaciais, dir-se-ia em jeito de contra-argumentação. No entanto, o turismo espacial privado é apenas um aspecto da nova era do voo espacial privado, que proporciona um acesso ao espaço muito mais barato e amplo. Não apenas para os satélites científicos e de telecomunicações, mas também para as pessoas, e isso é uma coisa boa. Porquê? Numa só palavra, devido ao efeito de “visão panorâmica”. Quando três astronautas da Apollo voltaram da Lua em 1968, a sua lembrança mais valiosa da viagem foi a bela imagem da nossa pequena Terra, elevando-se acima da superfície lunar estéril. Uma foto que, aos olhos de muitos, deu início ao movimento ambientalista. As poucas pessoas que já voaram no espaço (menos de 600 em 60 anos) voltaram profundamente mudadas pelo que testemunharam. Contemplaram a Terra, sem fronteiras visíveis entre os países, frágil como uma bolha de sabão, protegida apenas pela mais fina camada da atmosfera. Certamente, quanto mais pessoas o vivenciarem, melhor.
Em Setembro, a primeira circum-navegação espacial privada da Terra acontecerá numa das naves espaciais de Elon Musk. A tripulação civil será composta por Jared Isaacman, um multimilionário, que no entanto convidou três cidadãos perfeitamente comuns para acompanhá-lo: entre elas, uma geóloga negra e uma amputada, a primeira pessoa com deficiência no espaço. Durante três dias, eles contemplarão a superfície terrestre através de uma cúpula de acrílico perfeitamente transparente a uma altitude de 400 km. Voltarão, sem sombra de dúvidas, com uma nova compreensão profundamente pessoal do nosso pequeno planeta: uma jóia brilhante, suspensa na escuridão do espaço. Voltarão, porventura, mais visionários do que políticos míopes que viram as costas a este novo oceano que a humanidade deve explorar, para o benefício de todos nós e para bem da nossa própria casa, a Terra.