E se adoptássemos o traje olímpico clássico?
Sou todo a favor das lutas justas, mas não quero que os oportunistas se aproveitem delas para infiltrar agendas escondidas.
Tem sido tema de debate os equipamentos desportivos das atletas. Depois de ter andado a circular nas redes sociais uma fotografia com as selecções norueguesas, masculina e feminina, de andebol de praia, em que se torna gritante o contraste dos equipamentos (eles de t-shirt e calções compridos e largos, elas de biquíni), retomou-se a discussão acerca da objectificação sexual da mulher, neste caso no desporto.
Assim, tem-se argumentado que, em diversos desportos, os equipamentos femininos são mais decotados do que os equipamentos masculinos por questões comerciais, na medida em que seria mais fácil captar a atenção dos espectadores masculinos se as mulheres estivessem assim vestidas. E mais se diz que isso é uma clara consequência do machismo e um desrespeito pela autonomia da mulher.
Não tenho qualquer dúvida de que as regras sobre os equipamentos (que foram criadas por homens) que resultaram em homens “vestidinhos” e mulheres “despidazinhas”, são uma consequência do machismo. E defendo, portanto, que se alterem as regras, para que se acabe com essa dualidade. Mas vale a pena pensar acerca de como a corrigir.
Sei bem que, para os padrões morais actuais, o corpo é algo de interdito, que deve ser tapado em público. Mas nem sempre assim foi: quando os Jogos Olímpicos foram inventados, os atletas competiam todos nus. E ninguém via nisso nenhum mal.
Com o passar do tempo, o puritanismo hipócrita dos vícios privados e públicas virtudes tomou conta da civilização e, desde os anos 70 do séc. XX, tem estado a ganhar força à boleia da justa luta pela igualdade de género e do empoderamento feminino.
Hoje, são cada vez mais as vozes que se indignam com qualquer exibição pública de alguma nudez corporal, mesmo quando as pessoas que a exibem o fazem de livre vontade (veja-se o caso da modelo Lenka do Preço Certo que, por usar roupa justa e decotada nesse programa da TV, logo foi crismada de explorada e sexualizada, ou as inúmeras influencers da internet que ostentam os seus bons corpos e são criticadas por isso).
É preciso separar bem as águas: uma coisa é alguém ser obrigado a mostrar o que não quer, outra é sermos proibidos de nos mostrarmos como queremos.
Aliás, uma das lutas do feminismo é pelo direito a andar de tronco nu na rua ou nas redes sociais (onde existe o insuportável veto ao mamilo feminino, mas não ao masculino) ou o simples direito da mulher usar a roupa mais provocante do mundo e não ser assediada nem discriminada por isso (veja-se o caso recente de uma aluna de Direito no Porto que foi impedida de realizar um exame porque o professor considerou que ela estava demasiadamente decotada).
Voltando ao desporto, até temos casos contrários: na natação sempre foram os homens os mais despidos e as mulheres as mais vestidas, eles de cueca de natação, elas de fato de banho; nas Artes Marciais Mistas, os homens competem de sunga, elas de calção elástico e top. Há, depois, inúmeros desportos (a maioria) onde os equipamentos femininos e masculinos são iguais.
É por isso que sinto um desagradável travo a puritanismo nesta polémica: aliás, isto também já se pôs a propósito do voleibol de praia, onde o biquíni é, também, o traje feminino. Mas não será porque na praia as mulheres andam de biquíni e os homens de calções? É que, quer no vólei de pavilhão, quer no andebol de pavilhão, as mulheres não usam biquíni, mas calções.
Voltando às atletas norueguesas, no Europeu 2021 da modalidade, em protesto, usaram calções, em vez da cueca de biquíni (que as faziam sentir desconfortáveis, física e psicologicamente). Apesar de terem sido multadas pela comissão disciplinar dessa prova, foram apoiadas pela Federação Norueguesa de Andebol. E estou certo de que as regras vão mudar.
Sou todo a favor das lutas justas, mas não quero que os oportunistas se aproveitem delas para infiltrar agendas escondidas. É que não quero que a minha sociedade se puritanize ainda mais e, qualquer dia, o equipamento oficial do vólei de praia seja o burkini com o qual as atletas do Egipto deste desporto são obrigadas, já hoje, a competir.