A CPLP, comunidade de pessoas
É igualmente importante a prioridade escolhida por Angola para o biénio 2021-2023: o reforço da dimensão económica.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é uma organização intergovernamental, formada atualmente por nove Estados-membros, cujas decisões são tomadas por consenso. Fundada em 1996, celebra hoje o seu 25.º aniversário. A sua maturidade pode ser apercebida em várias dimensões, mas escolho apenas um facto pleno de simbolismo: com a entrada em funções do novo secretário-executivo, Zacarias da Costa, proposto por Timor-Leste, conclui-se o primeiro ciclo de nomeações dos responsáveis pela gestão diária da organização, seguindo a ordem alfabética dos países proponentes. Iniciada em 1996, com Angola, conclui-se agora essa volta fundacional, com Timor-Leste.
Seria, contudo, errado reduzir a CPLP à sua natureza de organização intergovernamental. Ela não é apenas uma associação de Estados, é também uma comunidade de povos. E é isso que explica a existência e desenvolvimento desta organização distribuída por quatro continentes, sem que nenhum membro seja territorialmente contíguo a qualquer outro.
O primeiro fator de afinidade é, sem dúvida, a língua comum. Língua de todos e de cada um, na variedade respetiva, e com o estatuto que cada um soberanamente escolheu, como a sua ou uma das suas línguas oficiais. A língua, que é o grande recurso comum, é também o construtor quotidiano de um sentimento de comunidade. Não só porque falarmos a mesma língua nos aproxima como também, e principalmente, porque partilhar uma língua é partilhar os pensamentos, as emoções, as tradições, os costumes, as criações, o conhecimento que nela se exprimem.
O segundo fator é a história. A história inteira, claro, incluindo as dimensões mais dolorosas. Mas a longa duração dos contactos deixou um lastro que é hoje uma das mais vivas expressões de comunidade. A forma como construímos o Estado e a administração, como formulámos o direito, como ocupámos o espaço, como fomos fazendo as praças, as escolas, os cultos, as cidades, as instituições, a maneira como, no fluxo dos encontros, fomos encontrando uma arquitetura civil e religiosa, um urbanismo, uma cultura material, uma gastronomia, uma maneira de ser e socializar que nunca foi única, mas sim plural e híbrida, e que nunca cristalizou, antes é dinâmica e evolutiva: tudo isso, na diversidade e plasticidade que lhe são intrínsecas, molda uma aproximação ao rés da vida quotidiana que é uma das grandes forças da comunidade que escolhemos formar.
E eis o que me permite passar para o terceiro grande fator de afinidade: os processos sociais e políticos do presente. Desde logo, a fundação da CPLP congregou os novos Estados africanos e as democracias portuguesa e brasileira, reafirmando, no que nos diz respeito, a aliança entre os africanos que lutaram pela libertação da opressão colonial e os portugueses que lutaram pelo fim do colonialismo e a transição democrática. Depois, o quadro da CPLP tornou-se, muito naturalmente, a referência primeira para a cooperação portuguesa; o que ainda agora tem uma tradução concreta no nosso programa de doação de pelo menos 5% das vacinas que adquirimos aos países africanos de língua portuguesa e a Timor-Leste. E outras dimensões cruciais para o relacionamento povo a povo se foram também desenvolvendo nesse quadro, dos investimentos e trocas comerciais à educação de nível superior, da saúde ao desporto.
Por isso é que é tão importante a assinatura do Acordo de Mobilidade, na Cimeira de Luanda. Ele culmina o excelente trabalho desenvolvido pela presidência cabo-verdiana e, facilitando sobremaneira a circulação das pessoas dentro da CPLP, vem criar uma nova e decisiva oportunidade de ancoragem desta no quotidiano das populações e, designadamente, nas novas gerações.
E por isso é que é igualmente importante a prioridade escolhida por Angola para o biénio 2021-2023: o reforço da dimensão económica. Porque falamos do desafio de cooperarmos mais na criação de riqueza e emprego e no aproveitamento dos recursos naturais e humanos, removendo obstáculos e apoiando empresas e trabalhadores.
O sentido comunitário há muito que existe entre os falantes da língua portuguesa. Facilitando a mobilidade e apoiando o emprego, daremos agora mais um passo no enraizamento social da CPLP. Desta CPLP que é de todos nós e está bem fundeada no porto seguro das ligações e afetos entre as gentes.