Sabores da Vida 2021 mostrou o melhor da gastronomia e viticultura de Portugal no Palácio do Freixo
Depois de um ano de paragem, o evento que reúne chefs e produtores vinícolas voltou a celebrar-se no Pestana Palácio do Freixo, no Porto. Internacionalização é o grande desafio para os próximos anos.
O Sabores da Vida regressou ao Pestana Palácio do Freixo, no Porto, depois de um ano de interregno devido à pandemia. O encontro que, segundo a organização, permite “degustar o que de melhor se faz em Portugal”, realiza-se desde 2016, juntando chefs, produtores de vinho e profissionais do sector da hotelaria de todo o país. Alcançada a marca da 5ª edição, o evento, realizado na segunda-feira, parece ter atingido o ponto de rebuçado: “Já conquistou o seu lugar no calendário nacional” de eventos e vai começar a internacionalizar-se, assegura Mário Rodrigues, da organização.
Ao cair do dia, os convivas vão chegando ao salão principal do imponente palácio desenhado por Nasoni para o jantar de degustação. As paredes viradas a este e oeste são ocupadas pelas estações dos vários chefs, alguns repetentes, como Duarte Eira, do restaurante Salpoente, ou Angélica Salvador, do InDiferente – outros estreiam-se este ano, como Justa Nobre, que lidera a cozinha baptizada com o seu apelido, em Lisboa. Nas faces sul e norte dispõem-se, por sua vez, as bancadas onde são servidos os vinhos seleccionados pelos produtores nacionais.
Movendo-se entre os limites desta espécie de cartografia de sabores, o visitante pode provar um pouco de tudo: desde o bacalhau em texturas, preparado por Tiago Bonito, da Casa da Calçada, de Amarante, ao croquete de cozido à portuguesa, trazido de Famalicão, por Renato Cunha, directamente da carta do restaurante Ferrugem. No sector dos vinhos, as marcas do Douro, Alentejo e Dão são as mais representadas, mas os verdes também surpreendem pela amplitude de propostas.
A entrada no convívio era reservada a quem tem convite. Este regime de exclusividade dá ao Sabores da Vida o cunho específico que o distingue de outras iniciativas do género. Para Mário Rodrigues, da A'livetaste, empresa que organiza o evento, a ideia é que, em vez de simplesmente criar uma montra para vender produto, se estabeleça “uma network que potencie mercados que têm sofrido bastante com esta pandemia, como é o caso da gastronomia, dos vinhos e da hotelaria”.
A receita é simples, portanto: a organização mistura chefs e produtores de vinho criteriosamente seleccionados e estes, por sua vez, juntamente com os patrocinadores, adicionam os seus próprios convidados envolvendo-os numa cadeia de encontros e de contactos. No final, são servidas experiências que reúnem directores hoteleiros, empresários da restauração e representantes do meio académico interessados em “fazer novos conhecimentos” e ampliar a sua rede de contactos, acrescenta Mário Rodrigues.
A edição deste ano foi condicionada a diversos níveis pelas restrições sanitárias. Enquanto em 2019 tinham participado cerca de 400 convidados (um crescimento significativo face a 2016, ano da 1ª edição, em que marcaram presença 60 pessoas), este ano foi necessário reduzir o número de participantes a metade: vieram ao evento pouco mais de duas centenas de pessoas, sem contar com os 18 chefs, 35 produtores de vinhos de norte a sul do país e representantes das entidades patrocinadoras e organização.
Internacionalização é o prato que se segue
Apesar dos constrangimentos, a edição 2021 assinala o arranque da internacionalização do evento. Para colocar o vinho e a gastronomia portuguesas nas bocas do mundo, foram convidados opinion-makers e membros da comunicação social de outros países. Alguns não puderam deslocar-se a Portugal, devido às restrições da pandemia, mas os que vieram tinham à sua espera um programa especial de visitas, realizado durante o dia e que foi preparado em articulação com a Porto e Norte. Susana Ribeiro, que representou a entidade regional de turismo no evento, destaca a importância do vinho como “produto-âncora” na atractividade do país como destino turístico.
Se é certo que em 2020 o evento ficou de molho devido à pandemia, neste ano “os produtores estavam ávidos de marcar presença”, admite Frederico Falcão, presidente da Viniportugal, associação que representa diversas estruturas associativas e profissionais ligadas aos vinhos e que assumiu nesta edição, pela primeira vez, o papel de patrocinador no Sabores da Vida.
Mário Sérgio, da Quinta das Bágeiras, foi um dos viticultores que esteve no Palácio do Freixo, acompanhado do filho, Frederico, que pertence à quinta geração da família envolvida no negócio vinícola. O produtor da Bairrada revela à Fugas que a participação permite sublinhar um conjunto de propriedades que distingue as suas marcas e a sua região, que ele equipara às melhores do mundo pela aptidão em produzir vinhos de guarda, com potencial para estagiar vários anos em garrafa continuando a acentuar as respectivas qualidades. Esta procura de uma identidade diferenciadora é partilhada com as propostas que Miguel Alho trouxe da zona de Mértola: os Discórdia da Herdade Vale d'Évora, brancos ou tintos, são concentrados em estado líquido de um “Alentejo diferente e selvagem“, ainda pouco conhecido, banhado pelas margens do rio Guadiana e, no entanto, aquecido pelas altas temperaturas que caracterizam o Verão daquela região. A primeira produção da herdade fez-se em 2013 e de ano para ano “os vinhos estão mais consistentes”.
Já quanto às propostas dos chefs, elas foram por vezes arrojadas, como foi o caso das bolas-de-berlim recheadas de bacalhau à Braga postas na mesa por Paula Peliteiro, do Senhora Peliteiro, de Esposende – ou da cebola recheada com pezinhos de coentrada que Pedro Mendes trouxe do seu estabelecimento alentejano, de Vila Viçosa, o Narcissus Fernandesii – outras revestiram-se de traços mais convencionais, como os quartos de francesinha que fizeram parte do cardápio de Rui Martins, das Cervejarias Brasão.
Já Tânia Durão serviu um Atum, Tunato e Rabanete que definiu como “cozinha mix”, uma síntese de diversas experiências culinárias que são a cara do Atrevo, restaurante situado no Porto que pretende proporcionar uma degustação informal, sem etiquetas, um fine-dinning que não é só para elites, mas pretende chegar a um público transversal.
Um evento para aproximar as pessoas
Às dificuldades criadas pela pandemia juntou-se, no próprio dia, e de forma inesperada, a chuva: “É a primeira vez que isto acontece”, lamenta Mário Rodrigues. O desejo de repetir o formato adoptado nos anos anteriores, em que o evento ocupou os jardins do Pestana Palácio do Freixo, acabou assim por cair por terra e toda a infra-estrutura teve que ser mudada para o interior. Um quebra cabeças logístico que criou alguma ansiedade de última hora, mas que permitiu trazer à tona, garante o dirigente da A'livetaste, algumas das melhores características do evento: “Há um empenhamento comovente de todos os que nos apoiam”, sublinha. Mariana Lacerda, do Pestana Palácio do Freixo, também não escondia a satisfação por tudo ter chegado a bom porto: “É também nisto que este sector se distingue. Na capacidade de se adaptar e dar respostas em termos de desafios”, sublinhou à Fugas.
A nova configuração, embora improvisada, acabou mesmo por acentuar a proximidade dos participantes com os chefs e viticultores. Enquanto são servidas as degustações e feitas as provas de vinhos é possível trocar impressões, conversar sobre a experiência gastronómica e vinícola, que se transforma assim numa “aproximação entre as pessoas”, acentua Mário Rodrigues: “Aqui os laços são fundamentais e os convidados sentem-se em casa”.